segunda-feira, 6 de julho de 2015

3859) Lewis Carroll (7.7.2015)





Foi em julho de 1862 o passeio a barco que o reverendo Dodgson, identidade civil de Lewis Carroll, fez com duas garotas de quem era amigo. Durante o passeio, contou a elas a primeira versão das aventuras de “Alice no País das Maravilhas”. Esse livro e sua sequência “Alice Através do Espelho” formam um díptico que não tinha muita semelhança com o que se publicava em seu país naquele tempo. As disciplinas intelectuais e as fixações pessoais de Carroll eram heterogêneas o bastante para garantir que nem todo mundo iria entender tudo, mas todo mundo iria gostar demais de um aspecto do livro.



Carroll deve ter escrito suas obras pensando tanto nas crianças ledoras e entusiasmadas quanto nos colegas lógicos e matemáticos, todo o pessoal que gosta dessas disciplinas, principalmente a geometria e o estudo do espaço e das dimensões. Quem gosta desse aspecto do “Alice” pode gostar da FC de Rudy Rucker e das gravuras de M. C. Escher. Todos os que gostam de labirintos tendo por base a geometria em sucessivos espaços dimensionais – desde o ponto, a linha, o plano, a distorção temporal e da quinta dimensão em diante. Sendo escritor de FC, “o seu é o limite”.



Ele misturava personagens e situações que não pareciam pertencer ao mesmo universo: animais falantes, cartas de baralho, monstros míticos, cavaleiro medieval, xadrez, realidade flexível... E algumas imagens que mesmo talvez inspiradas em algo anterior passaram a ser indissoluvelmente dele: o homem-ovo Humpty Dumpty sentado no muro (celebrado por John Lennon), os dois gêmeos Tweedledum e Tweedledee (celebrados por Bob Dylan), o sorriso do Gato de Cheshire (celebrado por Gal Costa). E talvez tenha ajudado Monteiro Lobato a misturar Tom Mix com mitologia grega, o Gato Félix com o Saci.



Seu texto tem uma certa imprevisibilidade lógica, algo que ele talvez tivesse em pessoa. Aquele indivíduo educado, contido, que gosta de falar e daí a pouco está pensando em voz alta, fazendo raciocínios ou suposições que deixam os interlocutores mais perdidos do que cego em tiroteio. Uma espécie de professor amalucado, mas basicamente inofensivo e simpático. As coisas que ele anotava em seus diários, “hoje inventei isso, hoje desenvolvi a idéia tal”, são surpreendentes. Vivia num mundo mental só dele, era meio esquisitão mas ao mesmo tempo todos o respeitavam.


Era ranzinza, voluntarioso, brigava com o editor, com o ilustrador, com o livreiro, porque queria que tudo fosse do jeito exato que tinha imaginado: o papel, a diagramação, o desenho, o lugar do desenho... O terror dos chefes de gráfica. Era doido? Não sei. Talvez seja a nós que falte um talento, e não a ele um parafuso.