... e como um zero o ano se arredonda
retornando ao início, ao grão futuro;
eu aperto meu cinto e me asseguro
que agora vai, agora é pra valer...
Cansei de só estar e nunca ser,
cansei de andar assim de casa às costas,
estas estantes cheias de respostas
todas corretas, mas que não são minhas...
E o verão, tempestade de andorinhas
de puro fogo, entrou pela janela.
A vida é bala, Bíblia, boi... e a vida é bela
para quem bebe à fonte de água pura
onde a boca devora o que procura
e o instante fugaz se torna eterno.
“Quanto mais decadente mais moderno”,
o espelho é quem mo diz; e eu me barbeio,
me perfumo, me aprumo, me penteio,
como se fosse o derradeiro dândi
que um dia abandonou Campina Grande
rumo à conquista de outras freguesias.
Era isto, afinal, o que querias?
Pós-prazer, que restou de tal desejo?
Do que eu sonhava, herdei isto que vejo;
do que eu quis, só me coube isto que tenho.
Todo Natal me visto, e aqui venho,
aqui vinho, castanhas, gorgonzolas,
entre arpejos de harpas e violas
votos sinceros de fraternidade...
e o tapete voador desta cidade
decola. Mais um ano. Mais um “round”.
Eu lembro a noite, a lua, o underground,
as calçadas em festa, o riso, as rosas,
as feiticeiras, as misteriosas,
rodas de samba de cerveja erguida,
a catimba de prolongar a vida
mais além do que a vida tem direito;
o beck, o rock, o beijo, o xote... o jeito
de dar ao corpo o pouco que ele pede,
o que transborda, e o que não se mede,
o que o tempo nos traz e leva embora.
Venham, dedos rosados dessa aurora,
tocar em mim e despertar meu sol!
Bacurau, cotovia, rouxinol,
cante aqui quem cantar, eu canto junto!
Pode tudo faltar, menos assunto;
o mundo é isto, e é maior que o Mangue.
Que força é essa que me empurra o sangue
em seu cego circuito pelas veias?
Eu vou é para a Lapa! E calço as meias,
os sapatos... Tô pronto! E chamo o Uber.
Faço de conta que sou um YouTuber,
influêncer, tiktoker digital,
mais seguidores do que um general
(e menos divisões que o Vaticano).
Tanto faz! É Natal, é fim de ano,
bola ao centro... e recomeça o jogo.
Veja o exemplo maior: o Botafogo
improvável herói da própria lenda!!!
É Natal. Tudo em volta está à venda.
Menos a noite, a rua, a lua cheia.
Pois seja posta a mesa, e farta a ceia
de quem calcula à pena o pouco e o tanto.
Ergo o brinde, tranquilo no meu canto,
no meu verso, no avesso da alegria...
E na paz provisória deste dia
as cantigas vão se diapasando,
harmonizam-se o quem, o onde, o quando;
tudo parece enfim fazer sentido...
Mais um ano que veio e foi vivido
e em círculo se fecha a linha, a onda...