(Imagem: William Wegman)
Ouvi uma história interessante sobre um acadêmico que se dedicou durante anos a uma pesquisa sobre as possibilidades de consumo da carne de cachorro. Levando em conta que a população dos EUA (onde ele vivia) cresce a cada ano, ele achou que seria interessante considerar a carne de cachorro como uma possível alternativa de consumo. Fez todos os tipos de exames, em busca de possíveis toxinas ou outros elementos que desaconselhassem a ingestão de carne de cachorro. Não encontrou nada. É uma carne tão saudável e tão aceitavelmente saborosa quanto a de vaca ou a de porco. Então, ele fez a pergunta: Por que os americanos não comem carne de cachorro?
Chegou à conclusão de que eles não a comem por motivos espirituais. Assim como os hindus morrem de fome mas não sacrificam uma vaca, por razões culturais e simbólicas, os norte-americanos, tão pragmáticos, agem da mesma maneira com os cachorros, por motivos igualmente culturais e simbólicos. E o pesquisador, com uma certa ironia, disse que do mesmo modo que os hindus cultuam a Vaca Sagrada, os americanos cultuam o Cachorro Sagrado.
As razões neste caso não são religiosas, são sentimentais. Americano adora cachorro. Segundo um velho princípio na publicidade americana, qualquer coisa que mostre uma criança e um cachorro atrai a atenção e a simpatia do público. O cachorro não é propriamente um animal sagrado, porque não há motivação religiosa no seu culto. Mas pode-se dizer que é, nos EUA, um animal semi-humanizado. Posso estar enganado, mas creio que nenhum outro povo refinou tanto o conceito de “animal de estimação” (“pet”) quando o americano. É como se o poderoso empuxo da ascensão social das classes altas arrastasse para cima, na direção de “ser quase humano”, até mesmo os lulus e os totós que fazem a alegria daquelas famílias.
Ninguém comeria um bife de Lassie ou um filé de Rin-Tin-Tin. São criaturas parecidas conosco, às quais atribuímos, graças a uma dramaturgia que chega quase a ter algo de liturgia, emoções e desejos semelhantes aos nossos. Nos EUA existe um imenso folclore de episódios pitorescos ou bizarros envolvendo cachorros e seus donos, dos quais o mais reiterado é o do milionário que ao morrer deixa uma fortuna para o cachorro, traduzida em criados, moradia, alimentação de primeira, etc. e tal.
O cachorro dos americanos não passa de um tamagochi orgânico (ver “Gatos e Cachorros”, 8 de abril), beneficiário dessa imensa ternura represada que têm as pessoas ricas para com alguém que lhes dá carinho e aconchego e dos quais eles não precisam temer que estejam botando olho-grande na herança. O cachorro só quer uma comidinha quente, uma festinha atrás da orelha, e nossa presença. Ele nos adora: aquele arquejo não é cansaço, é a excitação dos apaixonados. Matá-lo, temperá-lo, cozinhá-lo, e servi-lo à mesa para saciar nossa fome nos transformaria em alguém pior do que o canibal Hannibal Lecter, que por alguma razão fascina os americanos.
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