Como todo mundo sabe, costumo ministrar cursos on-line de
vez em quando. É uma das atividades remuneradas que me mantêm à tona, e que são
de razoável utilidade para pessoas em busca de uma visão geral e comentada
sobre um assunto.
Desta vez, a realização do curso é por conta do Instituto
Caminhos da Palavra, de meu amigo Henrique Rodrigues, e coube a ele a sugestão:
“Que tal um curso seu sobre literatura policial?...”
Foi o que bastou para que eu traçasse o plano de um curso
sobre o gênero que celebrizou Conan Doyle (que comecei a ler aos nove anos) e
Agatha Christie (que comecei a ler aos dez). Não só estes – milhares,
impossíveis de cobrir por igual, mas criadores de um edifício narrativo com
muitas alas, muitos andares, muitos blocos, muitos aposentos fascinantes.
Intitulei o curso A
Narrativa de Mistério e Crime. “Policial” é um termo muito questionado
pelos críticos. Sugere um tipo de história onde a polícia aparece com
frequência, mas nessa literatura isto não é o elemento principal. Que elementos
são estes? Para mim, justamente a presença do mistério e a presença do crime,
juntos ou separados.
(Sim, porque há histórias de mistério sem crime, e de
crime sem mistério.)
“Narrativa”, aliás, engloba não somente a prosa de ficção
(o romance, o conto), mas também o cinema, a série de TV e assim por diante. “Narrativa”
se refere à nobre arte de contar histórias, e esse gênero é celebrado por
muitos teóricos da Literatura como um dos territórios onde é essencial haver
narrativa, haver história, haver enredo, haver uma sucessão de peripécias que
se causam mutuamente e que geralmente convergem para um desfecho.
E com isto fazem da “narrativa de mistério e crime” um
dos principais gêneros da literatura de entretenimento no mundo inteiro. Sem
prejuízo, necessariamente, da qualidade literária – porque grandes, imensas
obras da literatura mundial foram construídas em cima destes dois conceitos. E
no curso, obviamente, falaremos também de Julio Cortázar, Dostoiévsky, Albert
Camus, Paul Auster, Rubem Fonseca, Jorge Luís Borges, G. K. Chesterton e muitos
outros que tinham fascinação por esse tipo de narrativa.
Uma narrativa inferior? De jeito nenhum.
Com a literatura policial pode-se dizer o que Theodore
Sturgeon dizia da ficção científica: “Noventa por cento da ficção científica é
lixo. Mas noventa por cento de qualquer
coisa neste mundo é lixo.” São os
dez por cento superiores que fazem uma literatura valer a pena; a parte visível
do iceberg.
Como toda literatura vinculada a um gênero – um gênero
literário não passa de um pacote de convenções, de expectativas – essa
literatura pode ser formulaica, repetitiva. Mas o escritor de talento sempre
pode se sobrepor a isto.
Dizia
Raymond Chandler, o criador do detetive Philip Marlowe:
Um escritor que aceita uma fórmula e trabalha dentro dela não é mais
mercenário do que Shakespeare foi pelo fato de que, para prender a atenção do
seu público, tinha que incluir uma certa quantidade de violência e de comédia
vulgar; não é mais mercenário do que os pintores da Renascença foram por terem
de explorar motivos religiosos que iriam agradar à igreja. Minha definição de mercenário é um homem que
permite outra pessoa dizer-lhe o quê e como escrever, um homem que escreve, se
se trata de um escritor, não dentro de uma fórmula aceita, mas dentro da
definição que algum editor dá sobre essa fórmula.
(carta a Hamish Hamilton,
1950)
A planta-baixa do curso, para os que se interessarem, é
mais ou menos assim (claro que não vou colocar aqui todos os detalhes; o
romance policial abomina o spoiler):
Aula 01
Os elementos básicos da narrativa de mistério e crime: o crime, o
detetive, a polícia, a violência, o mistério.
Aula 02
As variantes, ou sub-gêneros: o romance hardboiled, o romance noir, o
suspense, o “crime verdadeiro”, a espionagem, a pulp fiction, o romance às
avessas, a história de assalto. As formas “aristocráticas” o mistério
aconchegante, a história de clube, o crime na casa-de-campo.
Aula 03
O mistério clássico: a narrativa analítico-detetivesca. O subgênero
mais elaborado. Os grandes detetives. Os temas clássicos: o quarto fechado, o
crime impossível, o grupo isolado, o álibi forjado, a mensagem do moribundo, o
objeto desaparecido.
Aula 04
As fronteiras da literatura policial. A literatura como jogo. O “fair
play” e o “desafio ao leitor” de Ellery Queen. Os decálogos de instruções. Os
criminosos heróis (Rocambole, Arsène Lupin). A metalinguagem do mistério
detetivesco (Pierre Bayard).
Esse rótulo vago e pouco elucidativo, “romance policial”,
cobre uma variedade enorme de literaturas muito diferentes entre si, e cada uma
delas com seu público. Quem gosta dos enigmas de crimes impossíveis não aprecia
necessariamente as histórias sórdidas de crime, típicas do romance noir. Quem gosta de acompanhar as
técnicas de investigação da polícia científica nem sempre sente prazer com
histórias de detetives particulares que usam os punhos para interrogar
suspeitos.
A literatura “policial” tem um lado coletivo (o crime e a
investigação como reflexos das tensões sociais e políticas) e um lado intimista
(os impulsos de violência que a sociedade precisa reprimir).
Vêm daí as três grandes perguntas que cercam o gênero: “Whodunit?
Howdunit? Whydunit?”.
Ou seja: Quem matou? Como matou? Por quê matou? E temos à
nossa disposição alguns milhões de obras respondendo estas perguntas.
Mais detalhes sobre o curso:
A NARRATIVA DE MISTÉRIO E
CRIME
Instituto Caminhos da Palavra
Aulas via GoogleMeet
Todas as 2as. Feiras de maio:
dias 5, 12, 19 e 26 de maio
Das 19:30 às 21:30
Preços e inscrições: https://caminhosdapalavra.com.br/Cursos/a-narrativa-de-misterio-e-crime-com-braulio-tavares/