sábado, 10 de agosto de 2013

3261) História de um Brasil (10.8.2013)




Nossa fantasia de ascensão social, cem anos atrás, no que foi chamado a “Belle Époque” carioca, era em torno de uma fantasia vagamente aristocrática, imitação de uma aristocracia vista e interpretada à distância, por sinais exteriores que tanto podiam sugerir refinamento quanto frivolidade, tanto nobreza de princípios quanto brutalidade de processos. Nos anos 1880, uma certa classe média urbana tinha Paris como norte magnético, e como ideologia um Iluminismo pragmático, e tentava transpor para a convivência republicana os investimentos acumulados na monarquia. Trocava-se o veículo na esperança de se conseguir manter o trajeto; o discurso, como se dá em tantas revoluções ou golpes de Estado, ganhava um tom de triunfalismo, que serviu naquele momento para fomentar a ilusão de que grandes mudanças estavam ocorrendo no país.

A abertura de portas promovida pela República, a mudança parcial nas regras do jogo e a presença de novos jogadores na mesa (principalmente os militares) ajudou a cultivar a sensação de que o país mudara, embora a mudança mais perceptível só ocorresse com o populismo da ditadura Vargas, que se manteve no poder pagando uma parte da dívida social que a primeira República assumira e vinha administrando em banho-maria.

A segunda metade do século 20, partido ao meio pela II Guerra, trouxe uma mudança no andar de cima, com a hegemonia cultural norte-americana sucedendo à européia. O Norte magnético deixou de ser Paris ou Lisboa, transferiu-se para Nova York ou Hollywood, e desta vez a invasão tecnológica (cinema, rádio, TV) passou o rodo nas ruínas da mentalidade aristocrática. Sem extingui-la de todo, o que talvez seja impossível: subsiste em bolsões urbanos afluentes e no avesso-da-costura representado por um certo tipo de feudalismo rural à moda antiga, que por sua vez está sendo empurrado para os recantos do mapa por um ruralismo predatório, impessoal, expansão da mentalidade urbano-industrial, impiedosa, voraz, mas que pelo menos se justifica, diante do delírio financeiro transnacional, com o álibi da produção de alimentos e da geração de empregos.

O lema utópico da bandeira positivista, “Ordem e Progresso”, revelou aos poucos sua verdadeira natureza: “Controle Ideológico e Acumulação de Capital”. A fantasia de ascensão social de hoje dispensa o aristocratismo, o refinamento, o iluminismo. Em seu extremo mais saudável, resume-se a trabalho honesto e consumo conspícuo. No extremo oposto, é a filosofia de enriquecimento a qualquer custo, a demonstração constante do poder do dinheiro, e o desprezo acintoso por qualquer atividade que não envolva grandes lucros ou generosas despesas.