sábado, 15 de junho de 2013

3213) Drummond: "Quero me casar" (15.6.2013)



(Drummond, por Glen Batoca)

O tema do amor na poesia de Drummond tem dois tratamentos principais, o profundo e o brincalhão. Somente com o livro póstumo O Amor Natural o poeta revelou um terceiro caminho que corria por fora, o do tratamento erótico. Em Drummond coexistiam um filósofo desencantado com o mundo e um guri sempre disposto a travessuras. Isso se manifesta em seu tratamento de temas como o amor, o namoro, a paixão, o casamento, o sexo –  palavras que não são sinônimas entre si, como geralmente se imagina.

“Quero me casar” é um dos poemas travessos mais simples do poeta: “Quero me casar / na noite na rua / no mar ou no céu / quero me casar. //  Procuro uma noiva / loura morena / preta ou azul / uma noiva verde / uma noiva no ar / como um passarinho. / Depressa, que o amor / não pode esperar!”. Essa dicção pseudo-naïf se refinou em poemas mais maduros, e igualmente desconcertantes, como “O Mito” (“Sequer conheço Fulana...”), “Canção para Álbum de Moça” (“Bom dia: eu dizia à moça / que de longe me sorria”), “Amar-Amaro” (“Por que amou por que amou / se sabia / proibido passear sentimentos...”), “O amor bate na aorta” (“Cantiga do amor sem eira / nem beira...”), “Caso pluvioso” (“A chuva me irritava. Até que um dia / descobri que maria é que chovia”), e outros.

Todos estes poemas se dividem entre paixão e distanciamento, desespero e gozação, carência e ironia, ajoelhamento devoto diante da amada e cambalhota esperta pra longe dizendo “eu, hein?”. No final ora predomina um, ora o outro, outra se travam num empate, ou num impasse. Amor e humor são misturados como café e leite. E isto lembra o famoso micro poema de Oswald de Andrade, tão citado como símbolo do Modernismo: “AMOR / humor”. Uma palavra é o título, a outra é o poema. Oswald parece sugerir que o amor verdadeiro não é outra coisa senão o humor, neste caso (imagino) a capacidade de rir das coisas e rir das mesmas coisas, de pensar em uníssono, num “matrimônio de mentes sinceras” (como dizia Shakespeare). Na mão de Drummond, o amor inclui o humor, mas não como sua essência, e sim um “poder moderador”. Ele nos salva do amor mal compreendido e mal utilizado, o amor sombrio demais, destrutivo demais, o amor diluído em água com açúcar ou o amor de toxinas concentradas em veneno.

A receita de Drummond exprime, melhor do que a de Oswald, a flechada-no-coração que o Modernismo desferiu no Romantismo. A noção de amor do Romantismo foi um episódio psicótico na história da cultura. O Modernismo foi uma espécie de terapia de choque, sacudindo o paciente e dizendo “meu amigo, caia na real!”. A luta entre os dois não acabou, mas o fato de haver pelo menos uma alternativa já é um avanço.