quinta-feira, 4 de agosto de 2011

2626) Drummond: “Poesia” (4.8.2011)



(Drummond, por Batistão)

Já comentei aqui na coluna, anos atrás, este pequeno e irretocável poema de Drummond em seu livro de estréia, Alguma Poesia (1930). Mergulhado nas batalhas estéticas do Modernismo, Drummond teve neste seu primeiro livro a sua fase mais vulnerável ao poema-minuto, ao poema-piada, ao poema que, em seu esforço de “épater les bourgeois”, se reduz à graçola irrelevante, ao trocadilho que se esgota em si próprio, ao ready-made verbal sem outro propósito senão desconcertar o leitor. Poeminhas que lhe quebram ao meio a “expectativa poética” mas não lhe deixam muito em troca a não ser a estaca zero. Outro tema obrigatório do momento era a discussão da brasilidade, a justaposição da cultura brasileira (sob qualquer aspecto) à cultura da Matriz, a cultura européia.

“Poesia” não tem nada disto. Tem apenas oito linhas, não passa do registro de um momento intimista, mas é de uma delicadeza e precisão que indicam o poeta já pronto, o poeta jovem já maduro: “Gastei uma hora pensando um verso / que a pena não quer escrever. / No entanto ele está cá dentro / inquieto, vivo. / Ele está cá dentro e não quer sair. / Mas a poesia deste momento / inunda minha vida inteira.”

A idéia deste poema vibra em uníssono com a de outros poemas conhecidos do próprio Drummond (“Vontade de cantar. Mas tão absoluta / que me calo, repleto”, em “Canto Esponjoso”). Sentir-se em estado de poema já é ser poeta, mesmo que por algum acidente de trabalho o poema nunca chegue a ser escrito. A poesia (e aqui Drummond diverge de construtivistas como João Cabral e os poetas concretos) não começa com a palavra; chega a ela após um momento epifânico inicial, o momento em que o poeta se sente inundado de alguma coisa que o transporta para um estado emocional além do corriqueiro.

O problema com essa idéia é o fato de que existem bilhões de poetas, em todos os idiomas, perfeitamente capacitados para transpor essa primeira fase, a da Inundação Emocional, mas afundam feito pedras quando tentam transpor a segunda, a Colocação das Palavras Certas Sobre a Folha de Papel. Fazer poesia é sentir o indizível e depois conseguir dizê-lo. Sentir e ficar somente nisso não transforma ninguém em poeta, mesmo que a poesia desse momento inunde sua vida inteira. A folha de papel é o Território do Vamos Ver, a Prova dos Nove. Você é poeta? Sentiu roçar na sua alma o Dedo do Absoluto? Então escreva aqui, meu camaradinha, porque eu estava sentado na cadeira ao lado da sua e não senti nada. Poesia pode requerer a experiência do Inefável, mas é preciso “efar” esse “inefável” logo em seguida, se não de nada adianta ter aspirado o perfume das Musas.