sábado, 8 de agosto de 2015

3888) Os começos de Elmore Leonard (9.8.2015)



Já houve uma tradição de começar um romance com a descrição de uma época ou de um ambiente, e só entrar na ação propriamente dita um pouco mais adiante. E depois surgiu a técnica moderna de começar no meio da ação. Em vez de longos planos-de-conjunto mostrando um ambiente, começar o livro com um close num rosto que pensa ou diz algo, numa mão que faz um gesto, numa pessoa que entra num local.

Fãs de Elmore Leonard fizeram (aqui: http://tinyurl.com/k622jwn) um recenseamento de todos os começos dos livros desse autor que escreveu policial, faroeste e outros gêneros de narrativa curta, seca, direta. Leonard gosta de começos como: “De vez em quando, pela manhã, ele pensava no homem chamado Kirby Frye” (The Law at Randado, 1954). Omitindo o nome do protagonista, ele dá destaque ao nome com que este se preocupa. Ou então o início de City Primeval (1980): “Um dia Karen DeCilia organizou algumas observações que tinha feito e concluiu que seu marido Frank estava tendo um caso com uma corretora de imóveis em Boca”. Uma econômica maneira de mostrar um triângulo amoroso de modo não estático: a história já começa com o instante do “heureca” de uma personagem.

Cat Chaser (1982) começa parecido: “A primeira impressão de Moran a respeito de Nolen Tyler: ele parecia ser de alto risco, o tipo do cara que pega no sono fumando na cama”. Com dois traços ele nos diz algo sobre o personagem que avalia e o que é avaliado. Mostrar personagem e situação ao mesmo tempo é o mérito desta abertura de Bandits (1987): “Toda vez que Jack Delaney recebia um telefonema do hospital dos leprosos para ir buscar um corpo ele era atacado por uma forte gripe ou coisa parecida”. O mesmo com: “Foley nunca tinha visto uma prisão onde você podia andar direto até a cerca sem levar um tiro.” (Out of Sight, 1996).

Momento crucial é um bom lugar para começar uma história: “No último dia de trabalho de Chris Mankowski, às duas da tarde, faltando duas horas para ir embora, ele recebeu uma ligação para ir desarmar uma bomba” (Freaky Deaky, 1988). Ou então imagens fortes que revelam o personagem: “Dennis Lenahan, o ás do trampolim, dizia às pessoas que se você puser uma moeda de 50 cents no chão e olhar para ela de cima para baixo, vai ver o mesmo que ele via quando estava no topo da escada de aço de trinta metros de altura” (Tishomingo Blues, 2002).

Começos assim têm uma concretude visual e emocional que jogam de imediato o leitor na ação, na vizinhança dos personagens. O desafio é manter esse tom ao longo de 200 páginas, mas parece ser uma técnica que, uma vez dominada, pode ser posta em prática sempre que preciso. Mas leva tempo.