quinta-feira, 15 de maio de 2008

0393) Em defesa do faroeste italiano (23.6.2004)



A Editora Rocco está lançando uma coleção sobre faroeste, com romances de Elmore Leonard, competente escritor de livros policiais que também já escreveu algumas histórias de “western” já filmadas, como Hombre e Valdez vem aí. Um livro que aconselho aos fãs do gênero é Publique-se a lenda: a história do Western, do pesquisador A. C. Gomes de Mattos, que lançou recentemente, também pela Rocco, livros sobre o filme “noir” e sobre o chamado “filme B”. Neste volume sobre o western, Mattos nos dá um resumo histórico de 100 páginas, seguido de outras 100 com dados sobre mais de duzentos títulos. Foi um prazer encontrar breves sinopses de alguns filmes vistos na infância: A última carroça, O homem dos olhos frios, O irresistível forasteiro, À borda da morte, O último bravo, Um certo capitão Lockhart... Estou cheio de trunfos para meu próximo encontro com Ivan Cineminha.

Isto me trouxe à mente um dos mais ferrenhos debates sobre cinema que já presenciei. Assunto hoje morto e enterrado, mas cujo espírito não custa nada invocar aqui, para que nos traga ensinamentos do Além. Foi a polêmica sobre o faroeste italiano que nos anos 1960 invadiu nosso mercado. Até então, só quem fazia western eram os americanos. Nada mais natural: era a história deles, os heróis deles, as paisagens deles. Quem se metia a imitá-los dava não só com os burros nágua, mas também os cavalos, os carroções, a caravana inteira. Eram os criadores, mestres e proprietários de um gênero de filme – coisa rara.

Aí de repente chegam uns italianos e começam a fazer uns westerns que a nossos olhos pareciam verdadeiras blasfêmias, verdadeiros sacrilégios. Em vez dos caubóis elegantes do cinema americano, víamos sujeito esmolambados, sujos, com dentes estragados, cuspindo no chão, e provavelmente com o corpo coberto de chatos e piolhos. Em vez de alegorias nobres entre o Bem e o Mal, víamos disputas entre cafajestes e assassinos, ou entre xerifes desonestos e bandidos sanguinários. No faroeste italiano, ninguém era limpo, ninguém era bonzinho, ninguém era nobre. As cidades eram enlameadas. Uma prostituta do saloon não parecia com uma atriz de Hollywood: parecia uma rapariga mesmo.

O faroeste italiano, com todos os seus defeitos, teve uma qualidade: quebrou a máscara de cera do faroeste americano. Injetou vida real num gênero que – só percebemos então – ainda estava coberto por um verniz de heroísmo oficial, de bom-mocismo. Depois dos westerns de Cinecittà, acabou-se a ditadura do caubói limpinho e engomado, do enredo certinho, do saloon cheirando a Bom Ar. O faroeste italiano nos fêz lembrar que a História é suja e cruel, que o mundo rural da América do século 19 não se parecia com um show de Beto Carrero. O gênero redundou em filmes respeitáveis como Era uma Vez no Oeste e O Bom, o Mau e o Feio. E abriu caminho para o western realista de Sam Peckinpah e Clint Eastwood.