domingo, 20 de março de 2011

2509) A Seita das Carrascas (20.3.2011)



Suponhamos que num reino medieval foi instituída uma pena de morte diferente. Ali, os executores públicos tinham sido uma casta abominada, sinônimo de crueldade e opróbrio. O fato de serem recrutados entre ex-guerreiros e ex-mercenários lhes tisnava a reputação. A Rainha teve a ideia de convocar, entre as sacerdotisas da corte, um contingente de noviças para assumir essas funções. Deu-lhes treinamento de artes marciais e de esgrima, além de cursos em jurisprudência e ética. O intuito da soberana era que a pena de morte deixasse de ser uma execução brutal e se transformasse num processo educativo, em que o condenado tivesse uma última chance de elevação espiritual.

Proferida a sentença, era o condenado transferido para uma cela onde, sob forte vigilância, deveria ficar preso durante os últimos meses antes da execução. A Irmandade escolhia então a Executora a quem caberia guiá-lo durante seu percurso final. Seu primeiro papel seria o de Confessora, quando, em visitas diárias, ajudaria o preso a narrar sua história e a se libertar do seu fardo de culpas. Em seguida, assumiria a função de Educadora, explicando-lhe a letra e espírito das leis, a natureza dos seus crimes, a necessidade de expiá-los. Em seguida, quando o condenado fosse julgado apto, ela seria sua Orientadora, sugerindo-lhe normas de conduta moral a serem adotadas em sua próxima reencarnação. E no dia aprazado ela seria enfim a Executora. Diante da congregação reunida, aos primeiros raios do sol no amanhecer, ele subiria ao patíbulo, pousaria a cabeça sobre o cepo e ela, trajando as vestes rituais, ergueria com as duas mãos a pesada lâmina e libertaria sua alma.

A plebe, que mal compreendia as nuances de funções tão diferenciadas, as chamava de Carrascas, e afastava-se à sua passagem quando elas, sempre em dupla, cruzavam a praça ou percorriam o mercado, trajando véus de musselina por sobre a cota de malha que lhes protegia o torso, e conduzindo espadas leves e mortais à cinta. Eram muitas as histórias que se contavam sobre o que ocorria por trás dos muros da prisão. Histórias de como, além de instrutoras espirituais, elas também serviam aos condenados como objetos de prazer, para o castigo adicional de lembrar-lhes os deleites que estavam a ponto de perder para sempre. Histórias de como criminosos empedernidos eram manietados à cadeira durante as visitas, sendo obrigados a ouvi-las e vê-las durante intermináveis sessões. Histórias de paixões violentas surgidas entre uma Executora e um Condenado, e que, descobertas a tempo, resultaram na execução simultânea de ambos. Histórias de como homens transgrediam propositalmente as leis para terem direito a uma Carrasca. Histórias de como esposas entravam para a Ordem e maridos tornavam-se criminosos, a fim de se reencontrarem num outro patamar de direitos e deveres, no qual o fio da espada lhes vedava o direito à mentira, à pusilanimidade, à tergiversação.