sexta-feira, 16 de outubro de 2015

3947) Coisas que aconteceram (16.10.2015)



Eu estava no Rio de Janeiro a passeio, hospedado no apartamento de amigos em Ipanema. Cheguei um dia sozinho, de madrugada, rua deserta. Havia um cara querendo entrar no prédio; não tinha a chave, nem havia porteiro. Abri a porta para ele, que sorriu, me agradeceu, entramos, eu ia para o térreo, ele subiu no elevador. Era Glauber Rocha.

Eu vi em Salvador, no Corredor da Vitória (uma rua com intenso tráfego em mão dupla), dois motoristas diminuírem a marcha ao virem na direção um do outro, e depois pararem os carros lado a lado, trocarem sorriso, aperto de mão, algumas frases, enquanto as duas filas de carros esperavam, por trás de cada um, e depois eles deram tchau, todo mundo seguiu em frente e o mundo até hoje não se acabou.

Eu vi no Circo Voador da Lapa, após o Rock in Rio de 1985, numa noite em que muita gente subiu ao palco, a hora em que a platéia pediu James Taylor, que tinha botado o “RiR” todo pra cantar “You’ve Got a Friend” poucos dias antes. Ele sentou ao microfone e pegou o violão, e aí um engraçadinho da platéia jogou uma lata de cerveja que pegou na cabeça dele. Ele cantou mesmo assim.

Eu estava na multidão hirsuta que de violão em punho foi para a frente da cadeia de Ouro Preto pedir ao megafone a libertação dos atores do Living Theatre de Julian Beck e Judith Malina, ali encarcerados, e como não se libertou ninguém a gente cantou de novo “This is the dawning of the Age of Aquarius”, e voltou para a praça.

Eu vi da platéia algo que talvez já tenha acontecido a muita gente pelo mundo afora, mas eu tive uma sensação de estranheza e de novidade alguns anos atrás, quando vi ao vivo Chuck Berry cantando “Yesterday” num palco carioca.

Eu estava ali bem pertinho da grade do Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, quando o corpo do presidente-eleito-e-não-empossado Tancredo Neves foi posto à visitação pública, e a multidão forçou os cordões, e foi preciso a viúva vir à sacada e ao microfone, para pedir que se afastassem, porque podia acabar acontecendo uma tragédia.

Eu estava na platéia do Teatro Santa Roza, na Paraíba, durante um espetáculo de Brecht montado por Renato Borghi e Ester Góes, quando no meio da peça um fotógrafo da imprensa subiu no palco e tirou mais de uma dúzia de fotos, como se fosse invisível, até que os atores se interromperam e pediram a ele para descer, porque estavam se desconcentrando.

Eu vi pela TV o gol de Basílio que interrompeu o famoso jejum de títulos paulistas pelo Corinthians; eu estava em Cachoeira da Bahia, o bar com a TV estava cheio de baianos, além de alguns alemães que estavam de passagem, e todo mundo naquela noite foi Corinthians desde criancinha.