quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

3368) "Minority Report" (13.12.2013)






Estive num debate recente sobre o filme Minority Report de Spielberg. Vi esse filme em 2002, quando foi lançado, e depois não tinha visto de novo. Nesta segunda vez o filme passa bem no teste. Na maioria desses filmes com muita ação acontece da gente ver uma cena e perguntar: mas afinal, James Bond ou Vin Diesel ou Tom Cruise está fugindo de quem, agora? O que diabo ele foi fazer naquela casa? Quem diabo é aquele cara que salvou ele? A ação se impõe dramaticamente por uma questão de rapidez e vigor físico, mas às vezes essas coreografias persecutórias estão presas a uma trama baseada no inverossímil-por-conveniência ou no coincidência-a-qualquer-custo.  Em todo caso, é um filme que usa fórmulas mas interfere nelas de modo interessante. MR é um filme de ação convencionalmente perfeito, um bom “whodunit” policial e traz uma premissa FC mais quântica do que parece à primeira vista.

MR pertence ao subgênero narrativa-de-herói-em-fuga, e tem velocidade de HQ em sua narrativa. Como filme de mistério policial, rende homenagens através dos nomes dos três personagens “precogs”, que adivinham o futuro: Agatha (Christie), Dashiell (Hammett) e Arthur (Conan Doyle). Quando uma cena crucial do filme ocorre num flashback em Baltimore, não há como não pensar em Poe. E tem algumas figuras de linguagem caras aos aficionados do mistério, como o criminoso se denunciando ao falar demais, deixando escapar um detalhezinho de informação que afirmara não conhecer. (Sem falar em outras, como o crime-cometido-duas-vezes-para-disfarce, e a entrada-bem-facinha-na-super-sala-de-segurança).

Do conto original o filme herdou a situação paranóica do cara inocente que é perseguido por todos e precisa provar que é inocente, e para isso tem que descobrir quem está querendo mesmo ajudá-lo e quem armou contra ele. É uma paranóia guerra-fria, e no conto é agravada porque o cara não é um atleta e acrobata como Tom Cruise. O herói do conto, Anderton, é um cara gordo, careca, prestes a se aposentar. Ele se sente ameaçado por um cara mais jovem (Witver, Colin Farrell no filme) pois acha que este quer inclusive tomar-lhe a esposa, que também trabalha na polícia. Há um triângulo amoroso-conspiratório simétrico a este em O Vingador do Futuro.

Kubrick era um inquietador de platéias, como Orson Welles ou Buñuel. Silverberg Spielberg é um manipulador de platéias, como Hitchcock ou Chaplin, que como ele são “animais cinematográficos”: pensam em forma de câmara. Inventaram (ou precognizaram) uma importante criação da civilização norte-americana, a ciência do ritmo narrativo, cujo know-how pode se tornar benéfico nas mãos de quem não se limite a ele.


3367) As máquinas mortais (12.12.2013)


(Robert Crumb)

Não são robôs musculosos, schwarzeneggerianos, armados de espingardas-doze. São, é claro, as maquininhas aparentemente benignas que usamos: notebooks, celulares, iPads, desktops, mainframes... Para o documentarista James Barrat, em seu livro Our Final Invention: Artificial Intelligence and the End of the Human Era, está se aproximando aquele momento que alguns escritores de FC chamam A Singularidade, quando as inteligências artificiais criadas pelo homem superarão a inteligência da nossa espécie. Pode ser um upgrade cósmico de integração a uma inteligência universal; mas pode ser o momento em que as máquinas simplesmente tomarão a decisão de nos descartar.

Um artigo de Greg Scoblete (http://bit.ly/1jtH1Yc) avalia com elas nos eliminarão: “Pensem no mundo de hoje. Vírus de computador viajam pelo ar. Nossas casas, carros, aviões, hospitais, refrigeradores, fornos, estão conectados a uma “Internet de objetos” que não cessa de se ampliar valendo-se da banda larga sem fio. Estamos cada vez mais integrando elementos eletrônicos aos nossos corpos. Vamos extrapolar essas tendências para 2040: a Super-Inteligência Artificial surgirá num mundo cada vez mais dependente do virtual, e vulnerável a ele.”

À inevitável pergunta: ”Mas por que essa Super-Inteligência iria querer nos eliminar?” Scoblete responde: “Computadores, como os humanos, precisam de energia. Numa competição por recursos energéticos as máquinas se preocupariam tão pouco em nos conceder acesso a eles quanto nós nos preocupamos com a próxima refeição de uma formiga.”

A preocupação procede, e o livro de James Barrar sugere um cenário interessante para a literatura. Para ele, no momento em que essa Super-Inteligência Artificial for criada, não teremos como controlá-la porque ela terá a tendência a se retroalimentar e aumentar exponencialmente sua própria potência e seu alcance. “O tempo necessário para que ela nos deixe tão minúsculos quanto as formigas pode ser uma questão de dias, se não de simples horas, depois de ser criada. Pior: os cientistas humanos podem nem perceber que criaram essa Super-Inteligência, até ser tarde demais para contê-la”.

E agora digo eu: já a criamos. Ela já existe. Ela já se exprime, numa linguagem digital balbuciante, mas onipresente. Ela produz, com o auxílio inconsciente de funcionários humanos, os programas de TV de hoje, os noticiários de hoje, os filmes de hoje, as crises financeiras de hoje. Para ela, os próximos 50 anos serão os 5 segundos de que precisou para provocar o suicídio coletivo dos ácaros que a criaram e que agora se tornaram desnecessários e incômodos. (Ela permitirá a publicação desta inútil denúncia.)