sexta-feira, 7 de março de 2008

0053) Os memes (23.5.2003)

Memes são idéias que se propagam de uma mente para outra através da troca de informações (a fala, a escrita, etc.), assim como os genes se propagam de uma pessoa para outra através da fecundação sexual. Passamos nossos genes apenas para os nossos filhos, assim como os recebemos apenas de nossos pais; mas os memes existem livres e soltos pelo mundo, e basta acordar de manhã e começar a conversar para que eles entrem em ação. Mal levantamos da cama, ouvimos alguém dizer: “Ai meu Deus, mais uma segunda-feira!...” É um meme cultural nosso: a idéia de que a segunda-feira, dia de trabalho, é um dia mais chato do que o fim-de-semana, dias de lazer. Um meme não precisa ser verdadeiro, basta ser plausível. Não temos nem que acreditar: basta lembrar dele. Ele se abriga em nossa mente, fica ali quietinho, e um belo dia uma cópia dele escapa pela nossa boca, indo habitar a mente de outro hospedeiro.

Os memes mais eficazes podem ser comprimidos numa única frase. A sabedoria popular é um catálogo de memes que justificam qualquer coisa: não se deve falar de corda em casa de enforcado, o hábito não faz o monge, quem não arrisca não petisca, quando a esmola é grande o santo desconfia. São frases que repetimos quase involuntariamente diante de certas situações. Não precisamos pensar. Não precisamos julgar, decidir. A frase estava na agulha, pronta para ser disparada no momento certo.

O impacto inicial de um meme é a sua novidade, mas ele se impõe pela repetição. Quem sabe bem disso são os redatores publicitários, os maiores criadores de memes de nossa sociedade. Carlton, um raro prazer. Coca-Cola, isso é que é. Globo: a gente se vê por aqui. Não é nenhuma Brastemp, mas... Você merece uma Kaiser. Carro a álcool: você ainda vai ter um. Anti-Sardina: o segredo da beleza feminina. Iofoscal: iodo para o sangue, fósforo para o cérebro, cálcio para os ossos. Drops Dulcora: quadradinhos, embrulhadinhos, um a um.

O meme não precisa ser verdadeiro para se impor. Ele primeiro se impõe pela repetição, e a partir daí todos crêem que é verdadeiro. Preconceitos se baseiam em memes muito nítidos: todo baiano é preguiçoso, todo judeu é avarento, todo paraíba é mal-educado, todo carioca é vigarista, todo paulista é arrogante. Os memes são jogados no caldeirão cultural, e alguns deles crescem, se multiplicam. A melhor maneira de examinar um meme preconceituoso é indagar a quem ele interessa. A quem interessa propagar a idéia de que toda loura é burra, de que todo político é ladrão, de que todo crioulo é um assaltante em potencial?

Publicidade, música popular, programas de TV, imprensa: estas são as maiores fábricas de memes de nossa época. Elas sozinhas, contudo, não dão conta do recado. Cada vez que um de nós repete uma dessas idéias, está lhe dando uma sobrevida extra; é como se a reinventasse. O meme renasce como um vírus, e passa a ser nosso toda vez que o passamos adiante. Leva nossa assinatura, nossa responsabilidade.

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