quinta-feira, 16 de outubro de 2025

5203) "Artur e Isadora na Cidade Subterrânea" (16.10.2025)

 


De vez em quando venho aqui para ajudar na divulgação dos livros que publico.  Dar uma força e uma mão-na-roda aos colegas das editoras com quem trabalho, um pessoal bacana que rala e se esfalfa para fazer com que meus livros circulem, sejam vistos, sejam comprados, sejam lidos. 

O tsunami dos livros impressos diariamente no Brasil é tão grande que se o próprio autor não arregaçar as mangas e for também à luta, é bem provável que seu livrinho passe despercebido. 

No presente caso, o livrinho é Artur e Isadora na Cidade Subterrânea, lançado pela Editora 34, de São Paulo, com a qual venho mantendo uma saudável parceria há mais de trinta anos.

O livro é uma espécie de continuação de um título anterior pela mesma editora: A Pedra do Meio Dia, ou Artur e Isadora. Ambos são romances de cordel: narrativas fantasiosas, em verso, usando a métrica e os modelos de estrofe da literatura de cordel nordestina – no caso, a estrofe é a sextilha, que é algo como o átomo de hidrogênio da poesia popular. A unidade mais simples, da qual decorrem todas as outras. 


Artur e Isadora são um casal de jovens que se conhecem no primeiro livro, desencantam um reino, e depois casam. Fim da história?  De jeito nenhum.  Por sugestão de Alberto Martins, meu editor na “34”, peguei o jovem casal de aventureiros e os projetei numa aventura diferente. 

Quem disse que o casamento é o fim das aventuras?! Aí estão numerosas duplas/casais literários desmascarando esta falácia:  Nick e Nora Charles, Tommy e Tuppence Beresford, Peter e Iris Duluth, Jeff e Haila Troy... Parece que o romance policial se dedica a provar que o crime talvez não, mas o casamento compensa. 

Neste segundo livro, Artur e Isadora estão fazendo uma curta viagem a um reino vizinho quando descobrem um enorme barranco aberto na noite anterior por uma forte tempestade, seguida por tremores de terra. O chão se abriu. 

E em certo ponto eles descobrem a entrada para um túnel misterioso. Dentro desse túnel, são surpreendidos por um grupo de pessoas estranhas, de pequena estatura – e descobrem que ali embaixo da terra existe um verdadeiro reino subterrâneo, cheio de cavernas, túneis, galerias e abrigos para centenas de pessoas, talvez milhares.

O mundo subterrâneo habitado é um tema antigo da fantasia e da ficção científica. Quando Jules Verne levou um trio de exploradores a fazer sua clássica Viagem ao Centro da Terra (1864), usou como acesso as galerias subterrâneas de um vulcão extinto na Islândia. A aventura revelou um mundo fascinante mas deserto – a não ser pelo vulto fugaz de um habitante das profundezas, visto à distância, mas que foge ao contato com os exploradores. 

Povos subterrâneos, do ponto de vista literário, ficam numa zona cinza entre a fantasia e a ficção  científica. A balança pende ora para um lado ora para o outro, a depender das liberdades narrativas que o autor terá tomado, principalmente quanto à verossimilhança dos detalhes práticos sobre essa vida no subsolo.  Como essas pessoas vivem, como respiram, como se alimentam, como se livram dos dejetos, como se relacionam com as populações da superfície, etc. 

Muitas “cidades subterrâneas” da ficção científica se situam no futuro. São remanescentes de nossa civilização, que precisou se proteger no subsolo devido a algum tipo rotineiro de catástrofe mundial: guerra nuclear, crise ambiental, pandemias mortíferas, etc.  Em casos assim, essas moradas subterrâneas são ambientes de alta tecnologia, capazes de produzir a própria energia, a própria comida, a água potável, o ar respirável. São ambientações high-tech criadas justamente para salvar uma parte da humanidade e evitar que seja dizimada como terá acontecido com os que ficaram acima do solo. 


Artur e Isadora na Cidade Subterrânea não tem nada disso, porque procurei manter o clima levemente fantasioso dos romances de cordel, onde os ambientes mais improváveis são descritos sem muita preocupação com a verossimilhança técnica ou científica. São ambientes de fantasia, mesmo que não seja de uma fantasia tão alucinante quanto a da Viagem a São Saruê  de Manuel Camilo dos Santos.

Em Artur e Isadora na Cidade Subterrânea a intenção é criar um ambiente fantástico que sirva de suporte a uma pequena aventura – porque o leitor jovem está geralmente mais interessado na aventura em si do que em explicações técnicas sobre renovação de oxigênio, possibilidade de fotossíntese, etc.  (O que não quer dizer que não haja aqui e ali alguma tentativa de explicação, sem nenhum propósito científico mais aprofundado!)

A literatura de cordel vem assimilando uma infinidade de temas sugeridos pela ficção científica literária: voos espaciais, robôs , androides,  contatos com alienígenas, discos voadores... O cordel (nunca é demais lembrar) não tem tema específico, não tem qualquer limitação nem orientação de assunto. O cordel é uma combinação de regras poéticas (métrica, rima, oração, estrofes), modelo editorial (folhetinhos finos, xilogravuras) e o vínculo com uma tradição que vem de séculos e que pede continuidade em nosso tempo.

Para escrever cordel, é preciso: conhecer o universo, dominar a técnica, e estar imbuído do espírito. Talvez a parte do “espírito” seja a mais difícil, porque é aquela onde não cabem regras, regulamentos nem conselhos. É uma questão de conhecer vastamente aquele universo, entender o que é, como surgiu, como sobreviveu, como se renova a cada novo poema publicado.