sexta-feira, 7 de março de 2008

0047) Os chamados e os escolhidos (16.5.2003)



Quando tem Mega-Sena acumulada, eu aposto meus últimos tostões. Brasileiro é muito besta. Filas e mais filas na frente das lotéricas, dobrando esquinas. Cada pessoa daquelas sabe que vai estar concorrendo com dezenas de milhões de outras. Mas aborde qualquer um desses profissionais da esperança. Mostre-lhe a imensa improbabilidade estatística de que ele ganhe, e ele vai lhe dizer: “Ora, alguém não vai ganhar? Então, posso ser eu.” E tem razão. Alguém vai ganhar. Mesmo que ninguém ganhe esta semana e o bolão acumule, alguém ganha na outra, ou na outra. É impossível que alguém não acabe ganhando. Está provado cientificamente, por a+b, que alguém vai ganhar esse dinheiro todo. Por que não eu?

Eis uma das molas propulsoras do capitalismo: a Inevitabilidade do Sucesso! O sucesso existe, é como um raio benigno que está lá no céu, pronto para cair sobre a cabeça de alguém e dar-lhe uma Mega-Sena, um Oscar, um Nobel, um título de Doutor Honoris Causa, um #1 na Billboard, uma cadeira na Academia, uma Presidência da República. Sucessos desse tipo são inevitáveis. Mesmo que não haja ninguém que mereça, alguém vai acabar ganhando. É como a Seleção Brasileira: nunca a vi entrar em campo com apenas 6 ou 8 jogadores devido ao fato de que “só estes tinham nível de Seleção”. Isso não existe. Todas as vagas são preenchidas, não importa por quem. É inevitável.

Se é inevitável que alguém seja o contemplado com essas bênçãos do Destino... por que não eu? É o que pensam as jovens bandas de rock quando sobem no palco pela primeira vez, ou o jovem escritor sentando-se para sua primeira noite de autógrafos, ou a jovem atriz repassando pela última vez suas falas antes que as cortinas se abram em sua noite de estréia, ou o juvenil no banco de reservas, no começo do segundo tempo, vendo o técnico procurá-lo com a vista e fazer assim com o dedo. Está na hora. O sucesso é inevitável; só não se sabe para quem.

São muitos os chamados, poucos os escolhidos, então é preciso colocar os Escolhidos lá em cima, à luz dos holofotes, multiplicar seus rostos em mil telas e mil capas de revistas, dar-lhes mansões e piscinas, romantizar seu cotidiano, maquilar de glamour suas banalidades. Todos os Chamados quererão ser como eles, e sonhando com isso moerão a vida inteira nas bolandeiras do Lucro, nas moendas sem fim do Capital. Para eles, o fato de que alguém “chegou lá” é prova bastante de que chegar lá é possível, e se é possível, por que não tentar? Qualquer um de nós está disposto a gastar seus últimos 5 reais, se souber que tem uma chance em 20 milhões de ganhar cem mil. É um preço barato pelo direito de sonhar um sonho tão imenso, por isso quando cruzam eu cabeceio, quando levantam eu corto, quando me chamam eu compareço, quando me desafiam eu cismo dos pés, quando me botam uma pedra na cabeça eu carrego, sou capaz de apostar. Se os outros podem, por que não eu?



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