sexta-feira, 7 de março de 2008

0062) Entre na Matrix (3.6.2003)



Se você não viu “Matrix Reloaded”, não leia isto aqui, porque não vai entender nada. E se não viu o primeiro filme da série, não vá ver o segundo, porque vai entender menos ainda. “Matrix” é como os velhos seriados do domingo às 10 da manhã no Capitólio. A única diferença é que do 1º episódio para o 2º se passaram quatro anos, e do 2º para o 3º vão se passar cinco meses – que, para os fãs, vão ser cinco séculos. 

Dos velhos seriados, “Matrix” tem a narração vertiginosa, o enredo cheio de reviravoltas, a incessante ação física, as brigas e quebra-quebras sem fim. Mas, afora isto... o quê que o filme quer dizer?

Em “Matrix”, a Terra está devastada pelas guerras e pela poluição; as máquinas tomaram o poder, e escravizaram a humanidade. As pessoas vivem em casulos tecnológicos, com as mentes ligadas 24 horas por dia numa realidade virtual que lhes dá a sensação de viver num mundo de verdade, com casas, prédios, automóveis, empregos, famílias, lazer, cultura, sexo, drogas e rock-and-roll. 

A mente é mantida ocupada com isto, enquanto as energias do corpo são sugadas pelo mecanismo, e usadas como combustível para manter vivas as máquinas.

Ou seja: é, com outra ambientação visual, o mesmo que acontece conosco. Eu, você e todos os outros vivemos para manter em funcionamento uma enorme máquina. Só que não é uma máquina feita de metal e circuitos eletrônicos. É uma máquina social, feita de processos de estímulo & resposta, acerto & recompensa, erro & castigo. Se nos comportamos de acordo com as expectativas da máquina, somos premiados. Se frustramos ou contradizemos essas expectativas, somos punidos. 

A máquina é ruim ou boa? Esta pergunta é irrelevante, porque a máquina não tem personalidade, vontade, moral, ou emoções. Ela alimenta você com uma ilusão, e se alimenta de sua energia, mas não é nada pessoal.

Para fazer com que aceitemos isto, a máquina precisa nos tranquilizar, nos fazer crer que vivemos num mundo feliz, num mundo de verdade, com casas, prédios, automóveis, empregos, famílias, lazer, cultura, sexo, drogas e rock-and-roll. 

A publicidade nos acena com um gigantesco cardápio de iguarias que são ao mesmo tempo iscas e recompensas: apartamento de quatro suítes na Barra da Tijuca, carros importados, morenas da bundinha arrebitada, hotéis 5 estrelas, sala VIP, passagens de primeira classe, e assim por diante. Tem também os patamares mais modestos: a casa própria, o Gol na garagem com o tanque cheio, a praia e o chope no fim de semana. 

Nesta Matrix, cada um é livre para escolher o nível de expectativa que lhe convém, desde que continue destinando 8 horas por dia a manter a máquina em funcionamento. A máquina não é boa nem é má. Ela apenas aprendeu a auto-programar-se em função de melhor desempenho. Se uma coisa lhe faz bem, ela a assimila. Se não, ela a elimina. É como uma formiga, um louva-a-deus, ou um aranha caranguejeira. É o nosso mundo.







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