terça-feira, 17 de março de 2009

0892) O efeito surpresa (25.1.2006)



Paro numa banca de revistas e, enquanto espero ser atendido, passo os olhos pelas capas daquelas revistas que têm com as telenovelas aquela relação que na biologia se chama de simbiose, em que ambas produzem algo de que a outra se alimenta. As capas dessas revistas são de uma poluição visual assustadora, e sempre em manchetes berrantes. “Matilda flagra Anacleto na cama com Valquíria e sai de casa” -- “Álisson e Patrícia preparam golpe para ficar com as jóias de Natércia” -- “Lucas vai ao hospício conhecer sua verdadeira mãe” -- “Fernando briga com Talita e diz a Rafael que ele é irmão de Joara”...

Bem, as manchetes são inventadas, porque no momento não estou acompanhando nenhuma novela, e não conheço os personagens. Mas vocês pegaram o espírito da coisa. Dias antes das grandes reviravoltas do enredo, dos grandes conflitos, das grandes revelações, tudo já está dito, repetido e repisado nas revistas. Os jornais, inclusive, cultivam aquele encantador gênero paraliterário: “Resumo do capítulo de hoje”. As pessoas já ligam a TV sabendo exatamente o que vão assistir. Acho isto interessante porque se alguém tivesse feito uma pesquisa sobre isto anos atrás provavelmente os experts diriam que não ia dar certo. “Não pode deixar vazar para as revistas”, advertiria um sabichão. “Se as pessoas já souberem o que vai acontecer, qual é a graça? Eles compram a revista, mas aí despenca o ibope da audiência”. Tem lógica; mas não há lógica que resista aos fatos. Conta-se tudo uma semana antes, e no dia, na hora do plim-plim, está todo mundo lá, esperando.

A primeira conclusão é que não é propriamente a surpresa que essas pessoas esperam, e sim uma espécie de degustação por etapas. Primeiro, saber o que vai acontecer. Segundo, ficar pensando no assunto durante dias. Terceiro, constatar de que modo acontece. Telenovelas são uma experiência estética a longo prazo, uma convivência, algo que acompanha nossa vida ao longo de meses, ao longo de nossos altos e baixos. Diferentemente da vida, onde qualquer coisa pode acontecer (e geralmente essa qualquer coisa é um belo dum contratempo), a novela pode ser mantida sob controle através dessas leituras prévias, que nos ajudam a, de certa forma, direcionar expectativas, e conviver com um futuro já decidido, confortavelmente seguro.

Essas revelações prévias também ajudam as pessoas a organizar melhor seu tempo. “Vamos ao cinema, a novela hoje vai ser meio devagar. Mas na sexta eu não saio por dinheiro nenhum, vai ser a briga de Guilhermina com Dona Violeta”. Vamos à novela como vamos ao cinema: no dia em que a história a ser contada nos interessa. A novela não deixa de cultivar o mistério e a surpresa, como o demonstram as tramas policiais com desfecho no último capítulo (quem matou Salomão Ayala, ou Odete Roitman?). Mas seu mecanismo principal parece hoje funcionar em duas fases sucessivas: avisar o que vai acontecer, e depois mostrar como aconteceu.

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