Em 1932, Sergei Eisenstein desembarcou no México para filmar, financiado por socialistas dos EUA, um grande painel da vida mexicana, que teria o título Que Viva México!. Em 1942, Orson Welles veio ao Brasil para filmar histórias interligadas da vida urbana e rural brasileira, sob o título It’s All True!. Em 1962, o soviético Mikhail Kalatozov partiu para Cuba para filmar quatro histórias interligadas celebrando a recente revolução cubana, em Soy Cuba.
Estes três filmes têm muitas coisas em comum. Todos tiveram história acidentada, cheia de choques culturais e pressões políticas. Todos deram com os burros nágua, de uma maneira ou de outra. Todos foram mais ou menos recuperados décadas depois, e louvados pela sua beleza estética, agora menos dependente do contexto político ou diplomático que lhes deu origem. Histórias tão semelhantes, envolvendo cineastas de tal peso e produções de tal porte, não são coincidência, são reiterações de um fenômeno que faz parte da arte e da indústria do cinema.
Batizo este fenômeno de A Invasão Bem Intencionada. É quando temos, de um lado, uma equipe de rara competência técnica, movida a recursos financeiros e interesse políticos, e do outro lado um país onde, que de uma hora para outra, caem de paraquedas esses “marcianos” repletos de boas intenções, dispostos a celebrar a cultura dos nativos, suas belezas naturais e humanas, e a reinterpretar a História dos nativos de acordo com seus próprios conceitos (e estão pouco ligando para o que os nativos acham, tanto dos conceitos quanto da História).
Está em cartaz no Rio Soy Cuba – O Mamute Siberiano, devotado e emotivo documentário de Vicente Ferraz que reconstitui a terceira invasão acima. Deslumbrados com a luminosidade, o calor humano e a euforia revolucionária na Cuba de 1962, os soviéticos produziram um filme que não descansarei enquanto não vir, porque tem imagens de tirar o fôlego. O diretor Kalatozov, o roteirista/poeta Evtushenko e o diretor de fotografia Urusevsky (para muitos, o “autor” do filme) criaram cenas de tal beleza plástica, filmando em preto-e-branco (com negativo infravermelho usado na pesquisa espacial) que seu estilo mereceu do crítico Scott Rosenberg, de San Francisco, o rótulo de “Realismo Socialista Psicodélico”. (Sobre o filme: http://www.mk2.com/soy_cuba/site.html).
O filme de Vicente Ferraz mostra a tormentosa produção de Soy Cuba, o entusiasmo da equipe, a decepção arrasadora da estréia, a incompreensão do público e da crítica, e finalmente (numa síndrome Buena Vista) o reconhecimento, décadas depois, de sua genialidade. Americanos e europeus passaram décadas equivocando-se com Cuba, considerando-a ou o primeiro degrau do Paraíso ou uma sucursal do Inferno. A invasão da equipe de Kalatozov só começa a ser entendida agora, e o filme de Vicente Ferraz nos ajuda até mesmo a ser mais compassivos com nossas próprias invasões pretéritas. A Companhia Vera Cruz, por exemplo.
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