Tenho o DVD com o King Kong de 1933, mas não o revi antes da versão de Peter Jackson que está em cartaz. Tentei assistir o filme novo sem estar com o velho na cabeça, mas foi difícil. Vi este filme quando tinha 6 ou 7 anos de idade, e é dos que mais me impressionaram no começo da vida, junto com O mundo em perigo (“Them!”) de Gordon Douglas e O Ladrão de Bagdá (a versão de 1940, com Sabu). A fidelidade do roteiro de Peter Jackson é enorme, porque praticamente todas as cenas de que eu me lembrava foram reencontradas no filme atual.
Eu reduziria aquela primeira parte passada no navio. Gostei de ver a filmagem de cenas do King Kong de 1933; mas o filme só começa de verdade quando o navio mergulha nas brumas e logo está se roçando nos rochedos pontiagudos da ilha. As seqüências que envolvem a Muralha são parecidas com a arquitetura monumental do Senhor dos Anéis, filme anterior do cineasta. (A Ilha, em si, é uma das imagens mais fortes da História; o episódio entre King Kong e os exploradores é uma mera nota de pé de página de uma Narrativa maior que espera para ser contada.)
A tecnologia de efeitos especiais está se enriquecendo tanto que proporciona aos seus artistas muito mais do que simplesmente criar monstros descomunais e verossímeis. Minha seqüência preferida deste filme é a que se segue à longa noite de quebra-quebra promovida por King Kong em Times Square (e ao interlúdio lírico em que ele desliza no gelo do lago). Ao amanhecer, as Forças Armadas estão a postos para exterminá-lo, e toda a seqüência final que aí se inicia (até sua queda do Empire State) é pintada com uma esplêndida paleta de tons dourados, vermelhos, prateados, verdes e azuis.
Tem momentos na vida em que, após uma noite de trabalho duro ou de esbórnia incontida, uma noite de bebedeira eufórica ou de perambulação a esmo em ruas desertas, a gente percebe que o céu clareia, o dia está começando a amanhecer. Foi uma longa jornada noite adentro, e os terrores ou os êxtases dessa noite começam a ser dissipados pela luz do sol. Para uns, o amanhecer é o renascer da vida, da luz, da esperança. Para outros, toda aquela beleza dourada que se espalha nos céus e no mundo dos homens é inútil, pelas revelações terríveis surgidas na noite que terminou.
É este o caso de King Kong. Aquela manhã esplendorosa e dourada, em pixels tão belos que dão vontade de chorar, é o amanhecer de seu último dia sobre a Terra. A noite trouxe-lhe o reencontro com a mulher amada, mas trouxe-lhe também a noção definitiva da perda, a consciência de que ele é mais indefeso no mundo dela do que ela no mundo dele, porque ela não pode protegê-lo. Kong sabe que não tem caminho de volta. O sol, as nuvens, a alvorada são os mesmos que ele contemplava em sua jângal natal, mas o mundo para onde foi trazido é um mundo feito de ferro e fogo onde não há lugar para ele. A tragédia deste final não seria a mesma, sem a beleza indescritível daquele amanhecer.
Um comentário:
Nossa, que lindo seu comentário sobre as ultimas horas de King Kong! Desde criança tbm me interesso por esse filme que nos lembra do que realmente somos capazes de fazer em nossas vidas, a capacidade de destruir, de mudar o meio em prol daquilo que desejamos. Por isso sempre surge, no final desse filme, um sentimento de perda e a pergunta: - Será necessário mudar tta coisa pra vivermos bem na face da terra? Claro que não! E vc descreve perfeitamente, de forma até romântica, comparando o belo que Deus nos contempla a cada dia com a trágica cena do fim de King Kong patrocinada pela ignorância humana... Coisa que acontece naturalmente com balas perdidas que tiram vidas de inocentes em nosso dia a dia!
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