terça-feira, 17 de março de 2009

0896) Canções de Migrante (29.1.2006)





(David Carradine, no papel de Woody Guthrie em "Bound for Glory")

Pense num gênero musical que dá ibope! Neste duplo instante em que escrevo e em que você me lê, caro leitor, dezenas de Canções de Migrante estão tocando nas rádios da sua cidade, da minha cidade, da maioria das cidades do mundo. 

Migrantes são criaturas cantadoras por natureza, espantam seus males soltando a voz nas estradas, lembrando sua terra distante, celebrando o lugar estranho e complicado onde vieram parar. 

“Passe a palheta” na obra de Luiz Gonzaga, e vai ver que metade daquilo são Canções de Migrante, de “Asa Branca” a “No Ceará não tem disso não”, de “No meu pé-de-serra” a “Propriá”. 

E a mais emblemática de todas, o clássico “Pau de Arara”: “Quando eu vim do sertão, seu moço, do meu Bodocó...”

Vozes irão se erguer argumentando que a mais emblemática de Gonzaga é a “Triste Partida”, o épico vidas-secas de Patativa do Assaré, e concordo. Vai ser difícil nomear uma música mais importante que as outras numa discografia tão ampla, e em vez disso prefiro registrar variações sutis sobre o tema. 

Uma que me emociona pessoalmente (porque a cantei milhares de vezes, adolescente cabeludo e provinciano, sonhando em ir para uma Cidade Grande qualquer) é “No dia que eu vim-me embora” do primeiro disco de Caetano Veloso: 

“No dia que eu vim-me embora 
minha mãe chorava em ai 
minha irmã chorava em ui 
e eu nem olhava pra trás...” 

Canção nostálgica e lenta, que se acelera quando o narrador e o Pai rumam para o porto, ele é depositado no navio, e só sabe que está “atravessando, seguindo / nem chorando nem sorrindo, / sozinho pra Capital”.

Aqui, a gravação original (1967):
https://www.youtube.com/watch?v=N1ibNCm3P0A


Canções de Migrante são canções de perplexidade diante dessa Capital babilônia: 

“Quando deixei minha terra e minha família 
eu não passava de um garoto, no meio de gente estranha 
no silêncio das estações de trem 
correndo, assustado...” 
(“The Boxer”, Paul Simon). 

A gravação original:
https://www.youtube.com/watch?v=l3LFML_pxlY


A Cidade atrai, repele, seduz, amedronta. O Migrante fica embevecido com sua novidade, amedrontado com sua estranheza, como canta Maria Bethania em “O nome da cidade” (Caetano): 

“Ruas voando sobre ruas 
letras demais, tudo mentindo, 
o Redentor, que horror, que lindo, 
meninos maus, mulheres nuas”. 

A gravação original:
https://www.youtube.com/watch?v=_nRwXFVRplg


Ele passa a saber melhor quem é: 

“Por ser de lá, do sertão, lá do cerrado 
lá do interior do mato 
da caatinga, do roçado 
eu quase não saio 
eu quase não tenho amigo 
eu quase que não consigo 
ficar na cidade sem viver contrariado...” 
(“Lamento Sertanejo”, Gil & Dominguinhos).

A gravação original:
https://www.youtube.com/watch?v=O6CQsOI2qMg


O migrante não é só o que chega; é o que vai, e não pára mais de ir. 

Woody Guthrie, o grande cantor dos trabalhadores dos EUA, descreve essa vida de mão-de-obra errante em “Hard Travelin’”, cujo narrador trabalha em siderúrgica, colhe trigo, arranca minérios, pilota trem, e assim que perde o emprego pega 3 meses de cadeia por vagabundagem. 

A gravação original:
https://www.youtube.com/watch?v=kfq5b1bppJQ


Já filosofava Jackson do Pandeiro: 

“Mas se eu voltar 
aquela turma lá do Norte me arrasa 
principalmente o povo lá de casa 
que vai perguntar por que é que eu vim-me embora...”

A gravação original:
https://www.youtube.com/watch?v=2gqvFHCoKYk









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