Pense num gênero musical que dá ibope! Neste duplo instante em que escrevo e em que você me lê, caro leitor, dezenas de Canções de Migrante estão tocando nas rádios da sua cidade, da minha cidade, da maioria das cidades do mundo.
Migrantes são criaturas cantadoras por natureza, espantam seus males soltando a voz nas estradas, lembrando sua terra distante, celebrando o lugar estranho e complicado onde vieram parar.
“Passe a palheta” na obra de Luiz Gonzaga, e vai ver que metade daquilo são Canções de Migrante, de “Asa Branca” a “No Ceará não tem disso não”, de “No meu pé-de-serra” a “Propriá”.
E a mais emblemática de todas, o clássico “Pau de Arara”: “Quando eu vim do sertão, seu moço, do meu Bodocó...”
Vozes irão se erguer argumentando que a mais emblemática de Gonzaga é a “Triste Partida”, o épico vidas-secas de Patativa do Assaré, e concordo. Vai ser difícil nomear uma música mais importante que as outras numa discografia tão ampla, e em vez disso prefiro registrar variações sutis sobre o tema.
Uma que me emociona pessoalmente (porque a cantei milhares de vezes, adolescente cabeludo e provinciano, sonhando em ir para uma Cidade Grande qualquer) é “No dia que eu vim-me embora” do primeiro disco de Caetano Veloso:
“No dia que eu vim-me embora
minha mãe chorava em ai
minha irmã chorava em ui
e eu nem olhava pra trás...”
Canção nostálgica e lenta, que se acelera quando o narrador e o Pai rumam para o porto, ele é depositado no navio, e só sabe que está “atravessando, seguindo / nem chorando nem sorrindo, / sozinho pra Capital”.
Aqui, a gravação original (1967):
https://www.youtube.com/watch?v=N1ibNCm3P0A
Canções de Migrante são canções de perplexidade diante dessa Capital babilônia:
“Quando deixei minha terra e minha família
eu não passava de um garoto, no meio de gente estranha
no silêncio das estações de trem
correndo, assustado...”
(“The Boxer”, Paul Simon).
A gravação original:
https://www.youtube.com/watch?v=l3LFML_pxlY
A Cidade atrai, repele, seduz, amedronta. O Migrante fica embevecido com sua novidade, amedrontado com sua estranheza, como canta Maria Bethania em “O nome da cidade” (Caetano):
“Ruas voando sobre ruas
letras demais, tudo mentindo,
o Redentor, que horror, que lindo,
meninos maus, mulheres nuas”.
A gravação original:
https://www.youtube.com/watch?v=_nRwXFVRplg
Ele passa a saber melhor quem é:
“Por ser de lá, do sertão, lá do cerrado
lá do interior do mato
da caatinga, do roçado
eu quase não saio
eu quase não tenho amigo
eu quase que não consigo
ficar na cidade sem viver contrariado...”
(“Lamento Sertanejo”, Gil & Dominguinhos).
A gravação original:
https://www.youtube.com/watch?v=O6CQsOI2qMg
O migrante não é só o que chega; é o que vai, e não pára mais de ir.
Woody Guthrie, o grande cantor dos trabalhadores dos EUA, descreve essa vida de mão-de-obra errante em “Hard Travelin’”, cujo narrador trabalha em siderúrgica, colhe trigo, arranca minérios, pilota trem, e assim que perde o emprego pega 3 meses de cadeia por vagabundagem.
A gravação original:
https://www.youtube.com/watch?v=kfq5b1bppJQ
Já filosofava Jackson do Pandeiro:
“Mas se eu voltar
aquela turma lá do Norte me arrasa
principalmente o povo lá de casa
que vai perguntar por que é que eu vim-me embora...”
A gravação original:
https://www.youtube.com/watch?v=2gqvFHCoKYk
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