segunda-feira, 10 de maio de 2010

2027) O novo Thomas Pynchon (6.9.2009)



Saiu este mês nos EUA o novo romance de Thomas Pynchon, intitulado Inherent Vice (Penguin Press, 369 páginas). Os leitores que acompanham esta coluna devem achar graça nesta minha fascinação por um escritor que quase não li. Acontece que Pynchon é um clássico de nossa época, e um clássico é alguém que a gente não precisa ter lido para gostar, para achar importante ou desimportante. Um clássico é alguém que entra em nossa mente por outros textos que não o seu próprio. Alguém que ouça rock a vida inteira e nunca tenha escutado um disco dos Beatles perceberá, quando um dia ouvir qualquer um deles, que misteriosamente já os conhecia. Tudo que encontra ali lhe é familiar por vias transversas. Um clássico é um autor que impregna seu próprio tempo por todos os lados. Um autor comum é um peixe. Um autor clássico é um oceano.

O novo livro de Pynchon sai apenas três anos depois do mais recente, Against the Day (2006), sendo este o intervalo mais curto entre dois livros desde os dois primeiros romances que publicou: V (1963) e The Crying of Lot 49 (1966). Ambientado em Los Angeles em 1970, é a história de um detetive particular, Doc Sportello, que parece à primeira vista uma versão californiana do Ed Mort de Luís Fernando Veríssimo. Mais do que uma homenagem, Doc Sportello, um maconheiro que costuma passar 24 horas seguidas “ligadão”, é uma paródia ao gênero do “private eye”. Walter Kirn, comentando o livro no New York Times, observa que, assim como os cowboys, os detetives particulares são heróis típicos de nossa época, pelo seu individualismo e disponibilidade: “São demasiado voluntariosos para serem policiais, e decentes demais para virarem bandidos, e isto faz com que não tenham aliados naturais em nenhum desses lados, e acabem atraindo inimigos em ambos. São individualistas que pagam por sua liberdade o preço da obscuridade”.

O jornalista Mark Horowitz, da revista Wired, descreveu o livro de Pynchon como um encontro entre The Big Lebowski e The Big Sleep, e quem conhece o filme dos irmãos Coen e o livro de Raymond Chandler deve sentir, como eu senti, uma vontade irresistível de correr para a livraria mais próxima. Pynchon é de certa forma um humorista. É novamente Walter Kirn quem diz: “Ele baseia seu intelectualismo no humor, e o torna mais vívido com alusões à cultura pop, sem ter que sacrificar o seu profundo rigor. É o melhor comediante metafísico de nossa literatura”. Neste romance, Pynchon se esmera em fazer exercícios de estilo sobre “pothead humor” (“humor de maconheiro”), que consiste, segundo observa Kirn com sarcasmo, em “vastas epifanias despertadas por trivialidades passageiras, e subitamente interrompidas por uma ânsia incontrolável de comer porcarias”. Pynchon (que hoje é novaiorquino mas morou na Califórnia nos anos 1970) reconstitui com primor (segundo os críticos) essa época perdida entre o Verão do Amor e o Outono da Autoridade.

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