segunda-feira, 10 de maio de 2010
2026) A roda da diligência (5.9.2009)
Na matinal de domingo, às 10 horas, no Capitólio ou no Babilônia, antes da série tinha sempre um filme de faroeste, do tipo A Fera do Forte Bravo, Na Borda da Morte ou A Última Carroça. O que mais nos intrigava era o fato de que muitas vezes, quando víamos a diligência passando, as rodas dela pareciam estar girando para trás, no sentido inverso à direção que ela seguia. Não lembro quantas horas de discussões perplexas isso nos consumiu na Praça da Bandeira. Ninguém conseguia explicar. Uma vez alguém foi propor o problema à professora e a professora disse: “Tudo que se vê no cinema é mentira”, e ponto final. Como discutir com ela? Todo mundo sabia que um filme não passava de uma porção de atores fantasiados, fingindo dar tiros, fingindo morrer. O que impedia a roda de fingir que rodava pra frente ou pra trás?
Descobrimos depois que o movimento, no cinema, era tão mentiroso quanto as mortes. As imagens do cinema não se movem. Basta pegarmos um pedaço da película: não existe movimento nenhum ali. É apenas uma série de fotos tiradas rapidamente (24 por segundo), fatiando um movimento em posições sucessivas. As fotos são projetadas a essa mesma velocidade. Nosso olho as vê tão depressa que as superpõe e tem a ilusão de estar vendo o movimento. Que não existe. Jean-Luc Godard dizia que o cinema é a verdade 24 vezes por segundo. Diria melhor se dissesse que o cinema é um segundo de mentira composto por 24 verdades.
E a diligência? Imagine o leitor a roda da diligência como o mostrador de um relógio comum. Os raios da roda são como ponteiros que apontam para todos os 12 números. Preste atenção a um deles, o que corresponde ao 12. A carroça está em movimento. A câmara bate um fotograma (1/24 avos de segundo). Digamos que a roda dá uma volta completa e cada raio dela está de volta à posição inicial quando o fotograma seguinte é batido, etc. Se a roda der 24 voltas completas em um segundo, cada fotograma mostrará os raios de volta à mesma posição. E a roda, em movimento, parecerá que está parada, porque vimos os raios sempre de volta ao mesmo lugar.
Ora, a velocidade da câmara é sempre a mesma (24 por segundo), mas a da roda varia, devido ao terreno, ao galope irregular dos cavalos, etc. Isso faz com que em alguns momentos um determinado raio seja filmado (lembre o relógio!) na posição 12, depois de uma volta na posição 1, depois de mais outra na posição 2... e os demais raios, claro, “recuando” da mesma forma. Teremos a sensação de ver a roda recuando. Ou avançando mais rápido que o resto da carruagem.
Este caso é um bom exemplo de distorção da percepção do tipo de qualquer ilusão de ótica, pintura “trompe l’oeil”, etc. Nossa professora estava certa: tudo que se vê no cinema é mentira, mas tudo que se vê fora dele também é mentira, no sentido de que é uma reconstrução feita pela ação conjunta dos olhos e do cérebro tendo que interpretar na marra os estímulos luminosos que recebem.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário