(Bulwer Lytton)
No Concurso de Frases Bulwer-Lytton, realizado todos os anos, são premiadas as piores frases de abertura para um romance. As frases são inventadas pelos concorrentes, como frases de abertura de romances que não existem.
O concurso homenageia Bulwer-Lytton, romancista britânico, autor de Os Últimos Dias de Pompéia e Zanoni, que iniciou seu romance Paul Clifford assim:
“Era uma noite escura e tempestuosa; a chuva caía em torrentes, exceto em intervalos ocasionais, quando era interrompida por uma violenta rajada de vento que varria as ruas (pois é em Londres que nossa cena transcorre), fazendo estremecer os telhados, e agitando ferozmente a miúda chama dos lampiões que lutavam contra a escuridão”.
Francamente, não acho que a frase seja tão ruim a ponto de entrar para a História, mas talvez eu a esteja comparando com alguns dos exemplos – estes sim, teratológicos – que o pessoal inventa e envia.
Uma frase vencedora enviada por um tal Garrison Spik:
“O amor entre eles era um amor de Nova York, um táxi xadrezado cantando pneus nos asfalto, e, assim como a cidade, sua paixão estava em funcionamento 24 horas por dia, 7 dias por semana, o vapor se elevando dos seus corpos como as ruas luzidias exalando seu bafo quente, úmido e branco através de tampas de esgoto onde se lia “Fabricado por DeLaney Bros., Piscataway, New Jersey”.
Esta é uma daquelas frases em que uma metáfora se recusa a abandonar o texto e vai progredindo em escala ascendente rumo ao absurdo. É quase uma “patáfora” (ver “A Patáfora”, 12.2.2006). O sujeito começa a fazer uma comparação e a imagem usada para comparação apossa-se do texto e acaba por criar uma realidade própria.
Jim Gleeson produz um efeito equivalente com outros recursos:
“George começou – mas foi interrompido por um apito penetrante que prejudicou dez por cento de sua audição pelo resto da vida, assim como a todas as pessoas num raio de dez milhas em volta da erupção, não que isso tivesse muita importância, porque ‘o resto da vida’ significou apenas os próximos dez minutos, mais ou menos, antes que fossem todos sepultados pela lava fervente ou sufocados pelas cinzas asfixiantes – a urinar”.
Escritores adoram interpolar essas cláusulas longuíssimas no meio de um período, achando que isto os assemelha a Marcel Proust. Não é bem o caso, e nada como uma caricatura mordaz para acender nosso desconfiômetro.
O estudo da má literatura pode ser tão útil quanto o estudo da boa literatura. É mais ou menos como num curso de Medicina os alunos precisam estudar tanto o funcionamento correto de um órgão quanto as suas doenças e suas deformações.
Frases como as do concurso Bulwer-Lytton são exemplos concebidos por pessoas que talvez nem sejam grandes escritores, mas conhecem técnica literária bastante para reproduzir, de maneira caricatural e grotesca, certos tipos de erros em que qualquer escritor, mesmo entre os melhores, incorre cedo ou tarde.
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