sábado, 8 de maio de 2010

2013) O teto do sofrimento (21.8.2009)



(Paulo Francis)

Num artigo no Pasquim em que falava sobre alguma catástrofe humanitária tipo Bangladesh ou Namíbia, o cético Paulo Francis disse certa vez (cito de memória): “Cem mil pessoas com fome não experimentam uma fome mais intensa do que a de cada uma delas. Cada pessoa que sofre, sofre o máximo que é possível sofrer. A dor física individual não é agregável; só as suas consequências o são”. Se um homem é o único faminto no recinto, isto talvez o poupe de ter de lutar por comida com outros famintos, mas não diminui nem aumenta sua fome propriamente dita.

Claro que há condições psicológicas e emocionais que são incrementadas quando partilhadas em grupo. Se você assiste a um show de rock sozinho vai se divertir menos do que se estiver com uma turma de amigos. O simples fato de estar compartilhando o momento com alguém aumenta o seu envolvimento, mas esse envolvimento não é proporcional à multidão. Se você sozinho se diverte, cercado por uma multidão de 10 mil pessoas você se diverte mais, mas não 10 mil vezes mais. É como um copo colocado embaixo de uma torneira – depois que enche, pode-se derramar ali um Amazonas de água, mas o copo não ficará mais cheio do que já está.

Quando falamos em compaixão, em empatia, em compartilhar o sofrimento alheio, algumas pessoas pensam que se exige delas passar por tormentos indizíveis. Jovens, principalmente, quando tomam conhecimento dessas catástrofes humanitárias, muitas vezes não suportam o peso dessa responsabilidade – de imaginar o que é a fome de um milhão de pessoas, a morte violenta de um milhão de pessoas. Não é preciso. O ser humano não foi feito para isto. Basta imaginar uma pessoa sofrendo, e ser capaz de abstrair esse sofrimento para uma escala maior.

Sentir o que outro corpo sente? Não iremos sentir nunca. Mesmo pessoas que se conhecem profundamente e se amam com intensidade não podem compartilhar o sofrimento físico. A angústia, o desespero emocional de quem sofre pode ser passado adiante, mas a fome, a dor de um ferimento, a dor do parto, não pode. Quem sofre, sofre sozinho a sua cota de sofrimento, e quem se solidariza pode no máximo sofrer a dor psicológica de ver uma pessoa querida sofrendo, imaginar aquele sofrimento e não poder fazer muita coisa.

Se fôssemos telepatas, ou “tele-empatas”, capazes de experimentar empatia física e mental completa, nossa espécie não teria evoluído, por excesso de informação. Mesmo a informação absorvida por uma só pessoa precisa ser comprimida, zipada e escondida no inconsciente. Ninguém acessa tudo de si mesmo. Algumas histórias de ficção científica até sugerem que tínhamos essa habilidade, mas ela foi suprimida na infância, para diminuir a dose e nossa mente poder funcionar. O que criamos para substituir essa “empatia à distância” é justamente a linguagem, a cultura, a vida em sociedade. Comunicamo-nos para podermos entender o que os outros necessitam, sentem ou sofrem – e podermos agir de acordo.

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