sábado, 24 de abril de 2010

1948) O livro eletrônico (6.6.2009)



Um amigo meu chegou com uma engenhoca que parecia uma calculadora grande, com uma tela branco-leitosa do tamanho de um maço de cigarros; e disse que tinha ali dentro uma biblioteca de não-sei-quantos mil títulos. Manuseei o gadget: de fato, tinha uma lista que a gente rolava mediante uma barra vertical, assinalava um título, clicava não sei onde, e de repente abria-se na telazinha, numa página com letras agradáveis, em fonte de tamanho aceitável para os meus olhos, o texto de Moby Dick. Maravilha. Fiquei morrendo de vontade de comprar um, mas quando devolvi o aparelho meu amigo me asseverou, confiante: “O livro de papel está com os dias contados”.

Calma, companheiros! Talvez a única coisa que neste momento se possa afirmar com segurança seja: “O nicho de mercado do livro de papel está diminuindo”. O livro eletrônico tem inúmeras vantagens, e mal posso esperar que os preços das engenhocas diminua, para que eu compre uma delas (pelo que já vi, está entre 500 e 1.000 dólares). Para mim, contudo, um livro eletrônico tem que ser do tamanho e do peso aproximados de um livro de papel. Não tem sentido carregar na pasta ou na mochila algo que, mesmo carregando dentro de si 10 mil livros, tenha o peso de uma dúzia.

Num artigo recente (http://online.wsj.com/article/SB123980920727621353.html#), Steve Johnson observa que o e-book criado pela livraria Amazon, o Kindle, serve como ferramenta de leitura e de compra. Numa viagem de trabalho, fazendo hora num café e lendo no Kindle um tratado técnico, ele ficou entediado, teve vontade de ler um romance, e um minuto depois, com o mesmo aparelho, acessou o saite da Amazon e baixou a versão eletrônica de um livro de Zadie Smith. Entre a vontade, a consulta, o pagamento e o início da leitura do novo livro decorreram apenas poucos minutos. Diz ele: “O fato de existir uma livraria infinita ao alcance dos nossos dedos é uma boa notícia para quem vende livros, e pode ser ótimo para a disseminação do conhecimento, mas não é necessariamente uma boa notícia no que diz respeito ao recurso mais escasso do século 21: a atenção”.

Ter 5 mil romances dentro da mochila não é muito diferente de tê-los nas estantes do escritório. O tempo necessário para ler cada um deles é mais ou menos o mesmo. O que a biblioteca eletrônica nos dá é a invisibilidade do acervo. Quando meus livros começam a se empilhar no chão percebo que está na hora de “fazer uma limpa” nas estantes ou comprar uma estante nova. Mas um leitor eletrônico é rigorosamente o mesmo com dois mil ou vinte mil títulos no seu interior. Ele nos garante o álibi do espaço ilimitado, e nos faz esquecer que nosso tempo de leitura não é ilimitado. Daqui a alguns anos talvez seja possível colocar um milhão de romances dentro de um HD, mas duvido que haja tecnologia capaz de criar um dia de 48 horas. Ser dono da Biblioteca de Babel ou da biblioteca de papel é irrelevante. Só podemos ler um livro de cada vez.

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