quinta-feira, 22 de abril de 2010

1943) Uma instalação: Cabo Branco (31.5.2009)




(foto: Cilson Jr.)

Obra geo-artística monumental, de autor anônimo, que promove um instigante questionamento das nossas percepções do espaço e do tempo. 

Sugere uma interatividade totalmente integrada aos princípios pós-modernos da perecibilidade da Arte, e encara a dinâmica humana como um “fluxus” incessante, um coito simbólico entre o Desejante e o Descartável.

O primeiro aspecto da obra é deduzido dos “folders” fornecidos pela eco-galeria, onde somos informados de que o “locus” geográfico da obra é o ponto extremo das Américas. Cria-se um paradoxo simbólico: a obra se situa no ponto mais oriental de um continente ocidental. Inscreve-se como fronteira, umbral, e expressa a união dos opostos (yin, yang) aqui considerados como vetores de longitude. 

Se os continentes migram e se afastam, a obra propõe um retorno à Gonduana primitiva. É um braço estendido à utopia pretérita da Pan-Géia.

O segundo aspecto diz respeito à feliz escolha dos materiais: água e terra, fluxo e estabilidade (e mais uma vez yin, yang). Elementos da natureza num confronto de minúcias imprevisíveis e desfecho inevitável. 

Note-se a harmonia entre o duplo ciclo do ir-e-vir das águas: o ciclo contínuo das ondas, o ciclo mais amplo das marés – achado estético de primeira ordem, que nos remete às estruturas concêntricas de certos segmentos da Música Barroca. 

E tudo contraposto ao recuar do promontório, esboroando-se ao contato diuturno desse elemento “mobile” que sem descanso corrói o “stabile”.

Também nos “folders” ficamos sabendo que o Cabo Branco proposto pelo artista encerra um promontório menor, a Ponta do Seixas, que seria, ela sim, o ponto extremo continental. (Repete-se aqui, mostrando a coerência do artista, o tema do “menor dentro do maior”). 

Dualidade que induz o espectador a imaginar na Ponta do Seixas um acidente geográfico ainda menor e ainda mais ao Oriente, e neste mais outro, e assim por diante, “ad infinitum”... Uma vertiginosa fractal projetando-se para o Leste em expansões sucessivamente menores. Pulsão da vontade e limites da natureza, num jogo de opostos sobre o qual paira a sombra grega de Zenão de Eléia e seus paradoxos.

Por fim, o aspecto interativo da obra. A escala colossal do projeto convida o espectador a habitá-lo, vivê-lo – instalar-se na instalação. E convida à inevitável erosão da obra pelo próprio apreciador externo. 

Somando-se à ação da água, ela age rumo à conclusão do processo previsto. O Cabo Branco, à luz do neo-interativismo contemporâneo, está ali para que o público interfira, desbaste, corroa. Para que ele invada, desmate, edifique. Seu gradual desmonte será a expressão da atitude estética contemporânea, consagrando o conceito de “obra que convida o público a destruí-la”. 

Pois afinal é este o Espírito do Tempo, o Zeitgeist que nos impele a interferir em obras criadas com esta única finalidade: de que as destruamos. É a nossa Arte, é o nosso Tempo. Assim somos nós.







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