quinta-feira, 22 de abril de 2010

1940) Soneto (28.5.2009)



(o soneto ecológico no Google Earth)

O soneto é uma das formas de poesia mais conhecidas, e em alguns momentos da História, como a segunda metade do século 19, poetas simbolistas ou parnasianos o consideraram a forma poética por excelência. Fazer um soneto perfeito era o objetivo de todos, e para isto inventaram regras cheias de preciosismo, como a de que nenhuma palavra importante (substantivos, adjetivos, verbos) podia ser repetida ao longo de todo o poema. Seus catorze versos, distribuídos ao longo de dois quartetos e de dois tercetos, formam quatro manchas gráficas que assumem na página um layout inconfundível (e deleitoso) para a visão do leitor que já tem certa experiência. Note-se que estou me referindo ao modelo italiano, criado ou popularizado pelo poeta Petrarca; há também o modelo inglês, usado por Shakespeare e outros, que contém três quartetos e um dístico, mantendo os catorze versos que desenvolvem um só tema.

O traço mais característico do soneto (para nós, que usamos o modelo italiano) é essa harmonia estrutural de 4-4-3-3, visível a todos, e que fica internalizada, automatizada, transformada pelo poeta numa espécie de moldura ou fundação à qual terá que se amoldar o conteúdo. As rimas e o seu sistema de organização podem variar (como se vê no presente caso), bem como a extensão métrica dos versos, e é justamente essa possibilidade de variação que enriquece a forma fixa e evita a monotonia. O importante é que a proporção numérica se mantenha, reproduzindo visualmente, e ritmicamente, essa base com que poeta e leitor já contam por antecipação, e que é o alicerce de tudo. Não seria nada estranho se um artista plástico produzisse pinturas ou desenhos usando as proporções sucessivas 4-4-3-3 e as chamasse de sonetos visuais, equivalentes aos da poesia.

Uma experiência curiosa deste tipo foi feita em Matosinhos (Portugal), sob a forma de uma intervenção urbana, com a plantação de um ”Soneto Ecológico” pelo poeta Fernando Aguiar. O poeta escolheu um espaço urbano, equivalente a um quarteirão, e ali plantou 14 fileiras de árvores em blocos de 4-4-3-3, em que árvores idênticas aparecem no final de cada fileira, para “rimar”. O resultado pode ser visto, com fotos (inclusive do Google Earth) , no blog do poeta, “O Contrário do Tempo”, através do link: http://ocontrariodotempo.blogspot.com/.

Mesmo que lhe faltem palavras, versos e rimas, trata-se tecnicamente de um soneto, porque está mantida na obra um dos elementos essenciais desta forma, que são justamente as proporções 4-4-3-3 de sua estrutura. Alguém poderia compor uma peça instrumental nestes termos; ou esculpir em mármore um quadríptico; ou fazer um curta com quatro sequências de 4-4-3-3 minutos; soneto não tem que ser literatura. O leitor mais atento terá notado que os quatro parágrafos deste artigo também obedecem a essa “regra áurea”, pelo prazer metalinguístico de refletir na forma o tema, e porque brincar com poesia é sempre bom.

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