quinta-feira, 22 de abril de 2010
1942) Os dependentes e os independentes (30.5.2009)
Dizia-se muito nas conversas entre artistas que lançavam CDs. “Deixei de assinar com uma gravadora para ser independente, e agora descobri que dependo dos amigos, dependo da família, dependo dos músicos, dependo de lojistas, dependo de todo mundo que ajuda a vender meu disco”. Este discurso, aliás, está se diluindo à medida que as gravadoras minguam de importância, e o “independentismo” se amplia mundo afora com aura de fato consumado.
Meu argumento contra essa visão é muito simples. Quando você depende de um, você é dependente. Quando depende de dez, é independente. Porque se algum desses dez “correr com a sela”, restam-lhe nove para, bem ou mal, continuar tocando o barco. E se o Um (a gravadora, no caso) cair fora, babau tia-chica. O conceito de dependência e independência, para mim, está ligado aos conceitos de concentração e diluição de poder.
Recebi um convite para um evento cuja justificativa dizia: “O objetivo precípuo deste conclave é questionar o fazer literário, dissecar seus processos, balizar seu desenvolvimento e estabelecer metas para a construção de um discurso literário brasileiro nesta época de diluição globalizada e de hegemonia dos discursos popularescos e dos gêneros comerciais”. Pensei: “O cara escreve assim para mostrar que domina a linguagem”. Depois pensei: “O cara capaz de escrever assim a sério provavelmente só consegue escrever assim. Ele não domina a linguagem. Ele aprendeu a duras penas uma linguagem – chamemo-la burocratês ou academês – e no final deixou-se dominar por ela, a ponto de ser-lhe impossível utilizar outra”. Dependência.
É como dizer: “Se você copia de um, é plágio; se copia de muitos, é pesquisa”. Verdade cristalina. Se eu faço um ensaio sobre Augusto dos Anjos citando Orris Soares o tempo todo, e só ele, estou dando motivo para alguém dizer que sem Orris e suas opiniões o meu texto não existiria. Mas se eu cito, além dele, Horácio de Almeida, Ferreira Gullar, R. Magalhães Jr. e Alexei Bueno, então nem Orris nem nenhum dos demais pode julgar-se essencial ao meu artigo. O pior que pode me acontecer é alguém perceber que citei idéias de muita gente e não emiti idéias próprias; mas ninguém pode me acusar de dependência em relação a um Fulano específico. (Eu seria, talvez, um daqueles casos que em transfusão de sangue se chama de “recebedor universal”).
Cara leitora, sugiro que passe agora à seção “Vida e Arte”. Fiquemos aqui só nós, os homens. Para que eu diga que talvez seja isto na vida amorosa nos induz a viver num “tico-tico no fubá” permanente: para não depender afetivamente, sexualmente, vitalmente, de uma mulher só. Temos medo de apoiar todo nosso edifício numa única pilastra. E se ela ceder? Por isso os homens gostam de ter sempre um Plano B, etc. As mulheres são mais corajosas porque são mais dependentes: apostam todas as suas fichas num sapo na esperança de que ele vire príncipe. Tiremos o chapéu para sua coragem.
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