segunda-feira, 30 de novembro de 2009

1386) “Cão sem dono” (23.8.2007)



Este filme realizado no Rio Grande do Sul, escrito por Marçal Aquino (baseado em um livro de Daniel Galera) e dirigido por Beto Brant e Renato Ciasca, poderia também se intitular “No mato sem cachorro”, boa descrição da vida do personagem Ciro (Julio Andrade), um rapaz com idéias literárias que vive sozinho num apartamento de boêmio (colchão de casal no chão, livros empilhados, posters nas paredes) e tenta ganhar a vida fazendo traduções. Sua namorada Marcela (Tainá Muller) é um modelo que vive com um pé na boemia noturna e outro no sonho de uma carreira internacional.

Ciro patina na perplexidade de muitos rapazes que se formam, saem da casa dos pais, conquistam a liberdade da vida adulta, e julgam que é sua obrigação “viver intensamente”, ou seja, fazer sexo a torto e a direito, fumar, beber, experimentar drogas, comer e tomar banho apenas quando tiver vontade, trabalhar o mínimo necessário para pagar as contas. As primeiras conseqüências desse estado de coisas são uma rápida deterioração dos níveis de prazer proporcionados por essas atividades, uma exaustão física que faz o cara aos 25 anos ter um vislumbre de como se sente um cara de 80, e uma perplexidade crescente que pode ser sintetizada na frase “E agora?”.

Estes sintomas recebem o rótulo de “angústia existencial” quando o paciente tem pendores filosóficos. O sujeito se sente boiando. Tem tudo que sonhara ter aos 15 anos, mas, e daí? O cão sem dono do título não é o simpático Churras que faz companhia a Ciro, é o próprio Ciro, acossado dia e noite pela clássica pergunta existencialista: “O que fizemos com a nossa liberdade?”

O filme tem algumas belas cenas isoladas, que não são belas por serem excepcionais ou fora do comum, mas porque conseguem transportar para a tela, com naturalidade, pequenos episódios da vida de jovens brasileiros que parecem com gente de verdade, e não com gente fantasiada de jovem americano – embora eles ouçam rock, fumem maconha e dancem nas boates. Um acidente bobo de moto leva Julio e Marcela a um jantar na casa de outro casal, no qual as pessoas falam, bebem, fumam como se não existissem câmeras e equipe em volta. Um longo monólogo do pai de Ciro (Roberto Oliveira), comentando sua próprias experiências com drogas, tem aquele tom de contenção e ansiedade daquelas pessoas que nunca falam aos filhos sobre certos assuntos e quando o fazem temem que seja tarde demais. O porteiro do prédio de Ciro pinta uns quadros meio toscos, meio abstracionistas, pelos quais ele fica fascinado. Há uma cena em que, sentados no colchão do quarto, Marcela canta e Ciro a acompanha ao violão, de maneira descontraída e amadorística, exatamente como milhões de casais de namorados têm feito desde que surgiram no planeta os namorados, os violões e os colchões de casal. Momentos assim, breves, desjuntados, verdadeiros, dão a Cão sem dono um jeito de cacos de uma vida que não formam um todo. Um belo e melancólico filme.

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