segunda-feira, 30 de novembro de 2009

1385) Lá e cá (22.8.2007)




(Garcia Márquez)

T. S. Eliot, americano de nascimento, inglês por adoção, afirmou: “Para dizê-lo da maneira mais modesta possível, minha obra não seria o que é se eu tivesse nascido na Inglaterra, e não seria o que é se eu tivesse ficado na América”. 

Para muitos escritores é uma bênção essa condição sofrida de viver dividido entre dois polos. Devendo lealdade e afeto a duas forças que o atraem em direções opostas, ele ganha uma visão mais ampla, que não teria se se entregasse totalmente a apenas uma das duas. 

O escritor é o cara que acende uma vela a Deus e outra ao Diabo, é o cara que enxerga com dois olhos, e por isso tem a visão em paralaxe que funde duas imagens planas numa imagem em relevo.

O escritor (talvez o artista em geral) precisa de um teatro mental, um palco imaginário onde faça acontecerem suas histórias. Para alguns é conveniente que esse palco não tenha nada a ver com o ambiente onde transcorre sua vida cotidiana, sua ida ao trabalho, as ruas que cruza, os prédios que contempla. É preciso que sua experiência diária seja destilada e recomposta em outro cenário, um cenário que mobilize sua energia afetiva, sua motivação emocional, e um cenário construído a quatro mãos pela imaginação e pela memória.

Julio Cortazar era argentino mas migrou para Paris aos trinta e poucos anos. Acusado pelos argentinos de ter se afrancesado, fez uma obra literária em que, mesmo quando ambientada na França, a Argentina está por inteiro. 

E o que dizer de Carlos Drummond, que saiu de Belo Horizonte para o Rio também aos trinta e poucos, e foi se tornando mais mineralmente mineiro até o fim da vida? 

Ariano Suassuna saiu aos quinze anos de Taperoá para o Recife, e durante os 65 anos seguintes sua obra literária foi uma recriação de Taperoá. 

Gabriel Garcia Márquez passou a infância em Aracataca, na Colômbia, de onde tirou grande parte da inspiração para romances escritos muitos anos depois, em Bogotá ou na Europa. Dizia Márquez que após a morte do avô que lhe contava histórias maravilhosas, falecido quando ele tinha oito anos, nada mais de interessante tinha acontecido em sua vida.

Por um lado, existe essa necessidade de ter na mente o Teatro Imaginário onde as histórias ocorram, um espaço imaginativo não contaminado pelos aspectos pragmáticos e rotineiros da vida. 

Por outro lado, há o choque entre duas culturas, dois modos de viver, às vezes duas Histórias, dois países, dois idiomas. O artista deixa de ser provinciano (“provinciano” não é quem vive em cidade pequena, é quem só consegue ter um único ponto de vista sobre as coisas). 

Deve fidelidade a dois senhores, deve amor a duas cidades ou duas nações talvez incompatíveis, experimenta o que Cortázar chamou de “a sensação de não estar de todo”, o que pode ser fator de angústia, mas uma angústia criativa, de busca incessante por respostas que nunca serão fáceis, porque nunca satisfarão por completo aos dois mundos que são seus.






2 comentários:

Wandson Azevedo disse...

Acho que eu conheço esse sentimento dividido, só que em menor escala. Penso muito no meu afeto por Areia e por Campina Grande; hoje, não sei dizer mais de qual das duas cidades eu gosto.

Entretanto, estou longe de ser um artista, apesar de a arte está muito presente na minha vida.

Raimunda disse...

Que nem vc Bráulio vc deixou Campina Grande e virou cidadão de vários outros lugares culminando com o Rio.(Sinto-me assim tb:CG está sempre ao meu alcance)