quarta-feira, 11 de março de 2009

0874) Os últimos dias de Hitler (4.1.2006)


Foi um dos filmes mais notáveis de 2005, esta reconstituição dos dias finais do III Reich. Sobre a tão falada “humanização” de Hitler já me referi nesta coluna (“A volta de Hitler”, 27 de maio, “Hitler e o Barba Azul”, 28 de maio). Baseado nas memórias da secretária pessoal de Hitler e num livro do historiador Joachim Fest, este é um filme que estilisticamente poderia ter sido feito décadas atrás. Sem “modernismos”, sem efeitos de câmera ou picotes de edição, é um filme cuja narrativa convencional, quase anacrônica, tem o poder de nos transportar para a época narrada. Como linguagem de cinema, parece, sim, um filme feito no ano em que a ação transcorre. Isto certamente é proposital, e é uma das muitas qualidades do filme.

Seu tratamento do espaço dramático é notável, porque quase todo ele acontece no ambiente claustrofóbico do “bunker” onde Hitler, seus generais e algumas dezenas de pessoas mais próximas estão encurralados pelo avanço dos russos sobre Berlim. Ali, o máximo de espaço que se vê é de oito ou dez metros em qualquer direção, sendo que quando vemos um longo corredor temos uma sensação subconsciente de alívio. E, o tempo inteiro, as caixas de som do cinema, à nossa volta, reproduzem o soturno bombardeio que faz estremecer sem parar aquela mistura de necrotério e hospício. Há um belo plano das bombas fazendo balançar a água em um copo na mesa de cabeceira, e esse repisar contínuo da morte que se aproxima contamina personagens e platéia.

Bruno Ganz faz um Hitler notável, estranhamento parecido com o Jânio Quadros dos derradeiros anos, até a voz empostada, os cacoetes nervosos, “o olho rútilo e o lábio trêmulo”. Seus generais, desnorteados e contrafeitos, parecem recusar-se a acreditar que desta vez o seu chefe não tem uma solução milagrosa na manga. Pior do que constatar que “o Rei está nu” é constatar que o Führer estava louco, e o desespero de muitos deles mostra o quanto Hitler foi capaz de hipnotizá-los durante tantos anos, com seus monstruoso carisma. É o filme com mais suicídios que assisti em minha vida.

O elenco é ótimo, e espero que com o passar do tempo eu consiga esquecer o rosto de rapina e os olhos encatitados de Ulrich Matthes, que interpreta Goebbels (cuja família é o centro do mais arrepiante episódio do filme). Em Os Deuses Malditos, Visconti mostrou o lado decadentista do nazismo, as perversões sexuais, as drogas, a orgia do poder. Em Der Untergang, Olivier Hirschbiegel mostra a rebordosa, o momento em que passa o efeito da bebedeira e o sujeito se dá conta da enormidade da loucura que fez. “Ser nazista”, disse Jorge Luís Borges em “Outras Inquisições”, “é, no final das contas, uma impossibilidade mental e moral. O nazismo sofre de irrealidade, como os infernos de Erígena. É inabitável: os homens podem apenas morrer por ele, mentir por ele, matar e ensangüentar por ele. Ninguém, na solidão central de seu eu, pode desejar que triunfe”.

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