Publicados em 1955, os Textes Pour Rien de Samuel
Beckett foram escritos entre 1950 e 1952, e fazem parte de um período em que o
irlandês estava se dedicando a afrouxar pacientemente todos os parafusos da
prosa de ficção, para ver se ela se sustentava sem eles. Beckett é um autor
versátil (romance, poesia, teatro, conto, ensaio, cinema) e onde meteu a mão
pareceu resolvido a descobrir algum hipotético “grau zero da escritura”, um
patamar mínimo de narração que não fosse a mentira convencionalmente construída
em parceria por escritores e leitores ao longo de séculos.
A edição brasileira (Cosac Naify, 2015, tradução de
Eloisa Araújo Ribeiro) traz 13 fragmentos sem título, escritos na primeira
pessoa, numa espécie de monólogo interior muito diverso do praticado por James
Joyce. O texto de Beckett cria uma dessas situações em que acompanhamos os
pensamentos e as sensações de um narrador mas nunca sabemos quem é, o que faz,
onde está, o que está acontecendo (se é o caso). Um fluxo de associações de
idéias que de vez em quando é cortado pelo flash rapidíssimo de um dado
concreto, como relâmpago na noite:
“..não posso pedir nada. Nada além da cabeça e das duas
pernas, ou uma só, no meio, iria embora saltitando. Ou nada além da cabeça, bem
redonda, bem lisa, sem precisão de acabamentos, rolaria, seguiria as ladeiras,
quase um puro espírito, não, não daria certo, daqui tudo sobe, é preciso ter
perna, ou o equivalente, alguns anéis talvez, contrácteis, com isso se vai
longe. Partir da frente da Casa Duggan, numa manhã primaveril de chuva e sol,
na incerteza de poder chegar até a noite, o que há de errado aí?”.
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