sexta-feira, 14 de agosto de 2015

3892) Fantasia BR (14.8.2015)



Uma literatura de fantasia heróica, como a fantasia de língua inglesa tão lida no Brasil (a trilogia de Tolkien, a série “Narnia” de C. S. Lewis, as “Crônicas de Gelo e Fogo” de George R. R. Martin) envolve uma identificação do autor e do leitor com um passado heróico pressuposto, carecendo ou não de verdade histórica. A fantasia não obedece à História, mas extrai dela sua verossimilhança. E ganha muito quando autor e leitor têm um passado em comum, ainda que seja um passado meramente mitológico, imaginário.

Uma fantasia brasileira pode recorrer às nossas fontes portuguesas e ibéricas. Afinal, se os norte-americanos de hoje podem escrever sobre os celtas, por que não poderíamos nós sobre os iberos? (Atenção: a pronúncia é “i-BÉ-ros”, e não “íberos”). É algo que literariamente é tão nosso quanto dos nossos primos portugueses.

A Escola de Sagres, por exemplo, foi a NASA do século 15, do tempo das grandes descobertas. Era o estado-da-arte da astronomia voltada para a navegação. Ariano Suassuna (Almanaque Armorial, ed. Carlos Newton Júnior, Ed. José Olympio) tem um ensaio fascinante (“Olavo Bilac e Fernando Pessoa: uma presença brasileira em Mensagem?”) sobre dois poemas a respeito da Escola de Sagres, um de Olavo Bilac e outro de Pessoa. Ariano sugere, com argumentos convincentes, que os poemas de Pessoa sobre o Infante D. Henrique e a Escola, no único livro que publicou sob seu nome (Mensagem, 1934)  foram influenciados pelo brasileiro.

Uma literatura brasileira de Fantasia Heróica ou de FC Retroativa (ambientada no passado) pode recorrer com proveito a esse banco-de-dados.  Autores de língua inglesa usam constantemente a mitologia arturiana, céltica, bretã, etc. Primeiro porque faz parte de sua herança cultural e todo mundo tem o direito de se sentir pertencente a alguma tradição épica e heróica. Segundo,  porque sua própria literatura já cultiva isso há séculos, e há um know-how adquirido (e uma familiaridade com nomes, temas e situações, da parte do leitor) que não é de se jogar fora.


Se um autor brasileiro usa a fantasia ibérica, a pegada heróico-mitológica é a mesma – toda mitologia é feita para ativar os mesmos arquétipos através de um panteão diferente.  Mas acima de tudo ela dá a esse autor lendas e episódios específicos, paisagens específicas, correspondências reais específicas da História e da Geografia, que para um leitor de língua inglesa (a maioria desses autores nacionais sonha com o mercado estrangeiro, e tem todo o direito de sonhar) pode significar um leve estranhamento inicial mas depois entraria como um trunfo que a fantasia arturiana não tem, o trunfo do novo num mercado saturado.



Um comentário:

Izaias disse...

Bráulio, não achei outro lugar para perguntar isso. O que você acha do Steampunk, de autores como Kevin J. Anderson?

Saudações,

Izaias