Ser colecionador de livros não é comprar tudo que aparece pela frente.
O colecionador de verdade entra muitas vezes num sebo atrás do outro e sai de mãos vazias, por orgulhoso amor à arte.
Ele reconhece, numa prateleira de livraria a
três metros de altura, uma lombada que não vê há trinta anos, e aponta: “Aquele
ali”.
Ele completa uma coleção
específica (uma Futurâmica, uma Vagalume, uma Os Audazes) e continua em busca,
para a lenta substituição dos volumes mais estragados por outros mais
apresentáveis.
Ele vai passando de
ônibus num bairro desconhecido, vê de relance uma livraria, salta, entra, e sai
de lá com uma preciosidade caída como um raio em céu azul.
O colecionador de verdade olha para suas estantes e
considera a sério a possibilidade de começar a guardar livros no corredor do
prédio, no elevador.
Ele ouve a pergunta-padrão: “Você já leu esses livros
todos?” e responde: “Sim, agora estou relendo”.
Ele tem o mesmo livro em cinco versões diferentes: uma 1ª. edição, uma
cópia autografada pelo autor, um exemplar para ler metendo a caneta, outro com
uma capa que vou-te-contar, e uma edição eletrônica para fazer buscas rápidas.
Ele tem a ousadia de botar dois livros improvavelmente lado a lado na estante, e
sabe que isso é uma pequena obra de arte conceitual.
Ele separa para doação 200
livros inúteis, e no dia seguinte traz metade deles de volta às estantes, porque
foram reavaliados e achados imprescindíveis.
O colecionador não consegue esquecer até hoje o livro
raríssimo e caríssimo visto num sebo e deixado para comprar no dia seguinte,
quando, é claro, já não havia mais sinal dele.
Ele tem uma primeira edição
rara, toda estropiada e dilacerada, e não sabe se encaderná-la é um benefício ou um sacrilégio.
Ele para numa calçada
onde há uma lona coberta de livros, avista uma preciosidade largada por entre o
resto, pensa: “Até 150 reais eu pago”, pergunta quanto é, e o cara responde com
um muxoxo: “Tá velhinho... me dá 1 real.”
Ele viaja pelo mundo e tem o hábito de, em cada cidade por onde passa, comprar pelo menos um livro que vai ficar associado àquela cidade em sua memória.
Ele folheia seus livros ao acaso e encontra entre as páginas fotos, flores secas, sedas, ingressos de teatro ou cinema, bilhetes, pequenos souvenires que valem, cada um, um livro inteiro – tal como cada livro vale uma biblioteca.
4 comentários:
Lindo texto! Vale para outros tipos de colecionadores...
cada colecionador que carregue as manias loucas e lúdicas...rsrsrs eu "viajo" com os meus postais.
foda!
Esse texto consegue se equiparar a
o Bibliófilo Aprendiz, do Rubens Borbas de Morais, bíblia dos colecionadores de livros. Obrigado por essa pequena(na extensão)obra-prima.
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