quinta-feira, 18 de outubro de 2012

3006) Pobre com carro (18.10.2012)



(Pawla Kuczynskiego)


Freud dizia que o dinheiro não traz felicidade porque não é um desejo de infância. Talvez seja por isto que a posse de um automóvel enche de lágrimas felizes os olhos de tantos brasileiros. Desde os primeiros cambaleios infantis esses pobres diabos são induzidos a puxar por um cordão uma traquitana qualquer com quatro rodas e a produzir onomatopéias tipo rom-rom-rom e pi-biiit. 

Para milhões desses desventurados, o carro torna-se o mais multifuncional dos símbolos. Ele é rito de passagem para o mundo adulto, é diploma de ascensão social, é triunfo tecnológico sobre o Espaçotempo, é alcova sobre rodas, é escafandro protetor contra os esbarrões da plebe, é talismã semiótico, é prótese locomotora em quatro dimensões... 

O verbo ser é um conceito abstrato, metafísico, mas ganha carne, osso e metal com este sinônimo reluzente: “ter um carro”.

Muitos amigos meus dizem que pagariam qualquer preço por um frasco de perfume com “cheiro de carro novo”, e só não mango porque eu, por exemplo, gosto de cheiro de livro velho (mas não, não compraria um frasco de perfume, compraria um livro velho – como se tivesse poucos).  

E assim não é difícil entender porque nossas cidades não funcionam, nosso transporte público é uma porcaria, nossos urbanistas fazem as pessoas se adaptarem ao trânsito e não o contrário. 

Diz-se mundo afora que “país rico não é aquele onde pobre tem carro, é aquele onde rico anda em transporte público”.  Duvido que vejamos o Brasil ser assim um dia. O sonho dos governos brasileiros e da indústria brasileira é termos um dia 200 milhões de carros para 200 milhões de pessoas. E as cidades que se explodam.

O saite “Livable Streets” (http://bit.ly/1V86RK) faz um apanhado de pequenas mudanças que poderiam ser implementadas em nossas ruas para expandir o espaço humano e controlar melhor o espaço dos automóveis. Isto de nada adianta, contudo, se o país continuar se suicidando com o aumento da produção e venda de automóveis, sob o pretexto de geração de divisas e criação de empregos. 

A psicose automobilística endivida milhões de famílias hipnotizadas pela fantasia de ascensão social e inviabiliza as cidades. Cidades deformadas e desfiguradas pela ideologia individualista do cada-um-por-si, onde usar transporte público ou é uma tortura (onde ele é entregue às baratas) ou é humilhante mesmo onde ele tem boa qualidade. Refugiar-se no carro é a derradeira ilusão da classe média. Ela imagina estar melhorando de vida e está apenas trocando a pobreza por uma engorda-para-abate, uma espécie de empobrecimento financiado que a leva a trabalhar e produzir cada vez mais para ficar com cada vez menos.






2 comentários:

Kadu Mauad disse...

Quando o lógico se desbarata diante dos olhos, vejo a unanimidade dizer que "tô pouco me lixando pra isso tudo".

Unknown disse...

Belo texto, concordo plenamente.