terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

2486) O sonho de Sun Tzu (22.2.2011)



(desenho de Cavani Rosas)

É uma minimalista fábula chinesa que Jorge Luís Borges cita em numerosos ensaios. Na sua Antologia da Literatura Fantástica ele a transcreve por inteiro: “Sun Tzu sonhou que era uma borboleta. Ao despertar, ignorava se era Sun Tzu que havia sonhado que era uma borboleta ou se era uma borboleta que estava sonhando que era Sun Tzu”. O tema do Duplo ganha nessa fábula (e em todas as narrativas que se assemelham a ela) uma reviravolta sempre eficaz quando se trata de contar histórias. Não se trata mais de dizer que Fulano, “A”, descobre a existência de Sicrano, “B”, que é seu sósia, ou seu reflexo, etc. É que a partir de certo ponto começamos a pensar que quem existe de fato é B, sendo A um involuntário impostor, uma sombra pensante.

Philip K. Dick escreveu um dos mais esquizofrênicos livros da FC em A Scanner Darkly, traduzido aqui como O Homem Duplo (e adaptado para o cinema por Richard Linklater sob o mesmo título – é aquele filme em forma de desenhos, com Keanu Reeves, ao estilo de A Waking Life, do mesmo diretor). Nele, um agente da polícia investiga uma casa onde vivem uns malucos que tomam drogas sem parar. Acontece que o policial e o maluco que é dono da casa são a mesma pessoa, e não sabem. Quando ele está dentro de casa, é o drogado. Quando sai, vai para a delegacia, veste seu uniforme, e volta para espionar a própria casa onde mora. Ele não sabe se é um maluco vigiado por um policial ou se é um policial que vigia um maluco. E na verdade é os dois.

No clássico O Médico e o Monstro, R. L. Stevenson conta a história do respeitável Dr. Jekyll, que fabrica em seu laboratório uma droga que o transforma (física e psicologicamente) em Mr. Hyde, um criminoso sádico e sem escrúpulos. Com o tempo, a personalidade de Hyde ganha tal força que começa a substituir o corpo e a mente de Jekyll sem o uso da droga; o doutor adormece como ele mesmo e acorda como Hyde. Hyde prevalece, e eclipsa o doutor Jekyll. Mas, como a polícia está atrás do criminoso, passa a ser este quem começa a tomar a droga, para se transformar em Jekyll e evitar ser descoberto.

O confronto com o Duplo tem esses dois momentos: a sensação de estar diante de um Outro que sou Eu Mesmo. Eu me vejo (de forma repelente, incômoda, ameaçadora) no Outro. Ele é igual a mim mas é um reflexo distorcido de mim, ele é o Estranho, o Estrangeiro, o Diferente, o Alheio, o Alienígena, apesar de ser “igual” a mim. E em seguida há outro momento de terror, que é quando eu percebo que estou olhando para mim mesmo com os olhos do Outro, eu me transferi para o Outro. O horror dessa situação foi explorado de maneira magistral por Julio Cortázar em contos como “Axolotl”, “A noite de rosto para cima” (no livro Final do jogo), em que o protagonista, por assim dizer, chega à conclusão de que sua vida era uma ilusão e que ele não passa de uma borboleta sonhando que era um filósofo.

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