segunda-feira, 12 de julho de 2010

2259) Como não crer em nada (4.6.2010)



A fé é um impulso emocional, não é um raciocínio. Ninguém chega a acreditar num Deus simplesmente porque leu as discussões, avaliou os argumentos e decidiu que um lado era mais convincente do que o outro, assim como ninguém se apaixona por uma mulher porque viu fotos, tirou medidas, aplicou questionário e ficou satisfeito com o que obteve. Escolhas superficiais, como a do time de futebol por que torcemos, geralmente se devem a um contexto social. Por que este time, e não outro? Ora, porque torcemos pelo time do nosso pai, dos nossos vizinhos mais influentes, dos nossos amigos mais próximos. Crescemos naquele ambiente e quando nos damos conta nossa escolha já foi feita pelo ambiente em que vivemos (e isto inclui também aqueles que, para se rebelar contra essa escolha à revelia, pulam para o lado oposto, como tática de auto-afirmação).

Stephen Roberts disse certa vez: “Eu proponho a idéia de que todos somos ateus, mas eu acredito em um Deus a menos do que você. Quando você entender por que motivo não crê nos inúmeros outros deuses além do seu, entenderá por que eu não creio nele também”. É fácil para um judeu não crer em Cristo, para um cristão não crer em Alá, e assim por diante. Para estes, os deuses que não são o seu são meras figuras, meras ilustrações de livro. Quando perguntam a Daniel Sottomayor, presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), por que motivo ele não crê em Deus ele sempre responde algo como: “Eu não sinto necessidade de crer nos deuses, porque as respostas da Ciência me parecem satisfatórias”. Colocando a palavra no plural, ele nivela todas as religiões num mesmo limbo de indiferença. Não é que ele não creia no Deus dos cristãos, ele não crê em nenhum.

Já vi muitos crentes dizerem: “Quando não me perguntam o que é Deus, sei; quando me perguntam, não sei”. Isso ocorre com alguém que age baseado em conclusões posteriores, em processos mentais longamente elaborados. Quando lhes pedem para remontar ao primeiro desses processos, eles têm dificuldade, porque já não lidam mais com esse conceito inicial e sim com todos os conceitos éticos, morais, afetivos, etc. que surgiram como consequência daquele. A decisão de crer em Deus foi tomada há muito tempo e se enraizou, faz parte da personalidade, e consequentemente é algo difícil de explicar. Ao ter de responder essa pergunta, o crente se vê forçado a reconstituir processos mentais muito antigos, nos quais não pensava há tempos. É parecido com o que Cecília Meireles disse da liberdade (“Liberdade, essa palavra / que o sonho humano alimenta: / que não há ninguém que explique / e ninguém que não entenda!”). Passamos por situação semelhante quando temos filhos pequenos que nos fazem perguntas aparentemente bobas ou simples. Por que a água molha? Por que o céu é azul? Por que as coisas caem para baixo e não para cima? Por que existe Deus? Por que não existe Deus?

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