segunda-feira, 12 de julho de 2010

2257) O destino de Maiakóvski (2.6.2010)




Vladimir Maiakóvski foi um paradoxo de calças. Tudo nele era extremo, e mais que isto, era extremo em direções opostas. 

Criticado pelos burocratas soviéticos por ser (segundo eles) ininteligível para as massas, foi o contrário do poeta intelectual, instalado em torre de marfim, compondo versos longe do barulho do tráfego. 

Entusiasta da Revolução (e mais tarde destroçado pelo descarrilamento desta), ele fez da poesia um instrumento de luta política – mas não só isto. Dizia: “Comigo a anatomia ficou maluca, sou coração dos pés à cabeça”. Era um emotivo, que acabou se matando por causa de desilusões amorosas (mas não só isto).

Maiakóvski foi endeusado nos anos 1960 quando a palavra Vanguarda era um “abre-te sésamo” e todo jovem queria ser vanguardista. Hoje, a palavra Vanguarda é anátema (e ser intelectual é um um pecado ou um esnobismo) e Maiakóvski acaba pagando por isso, porque imagina-se que sua poesia é de difícil entendimento. Não é. É uma poesia feita com um entusiasmo verbal sem precedentes, uma poesia que realiza aquilo que Guimarães Rosa queria para sua própria prosa quando dizia: 

“Meu lema é: a linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive; e como a vida é uma corrente contínua, a linguagem também deve evoluir constantemente. Isto significa que, como escritor, devo me prestar contas de cada palavra e considerar cada palavra o tempo necessário até ela ser novamente vida. (...) O idioma é a única porta para o infinito, mas infelizmente está oculto sob montanhas de cinzas”.

Edward J. Brown, em sua minuciosa e reflexiva biografia literária Mayakovsky – A Poet in the Revolution (Princeton University, 1973) elogia “seus trocadilhos rimados, suas rimas quebradas com habilidade e espírito lúdico, suas ricas aliterações e assonâncias, seus neologismos felizes e bem-humorados, e o efeito declamatório de seus versos fortemente acentuados”. 

Seu precioso ensaio “Como fazer versos” é uma lição prática de poesia. Seu único defeito é o de todos os manuais: sua leitura não nos ensina a fazer versos, porque fazer versos não é algo que se aprenda teoricamente. É como um manual intitulado “Como nadar”. O sujeito pode lê-lo mil vezes, e de fato entender cada frase que ele diz. Mas continua sem saber nadar.

Maiakóvski falou de tudo, e falou reiteradamente de poesia. Um tema permanente em seus poemas é a importância da poesia, comparada a outros ofícios, a outras atividades humanas, comparada até mesmo à combustão solar em “A Extraordinária Aventura Vivida por Vladimir Maiakóvski no Verão na Datcha”, em que o Sol vem bater papo em sua sala de visitas, os dois queixam-se das dificuldades dos seus respectivos ofícios, e o Sol despede-se dizendo: “Somos amigos pra sempre, eu de você, você de mim. Vamos, poeta, cantar, luzir no lixo cinza do universo. Eu verterei o meu sol e você o seu, com seus versos” (tradução de Augusto de Campos).








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