quinta-feira, 10 de junho de 2010

2137) O Nosferatu de Herzog (13.1.2010)



Werner Herzog é o melhor diretor alemão da sua geração, que inclui Fassbinder, Wim Wenders e outros pesos-pesados. Acho Herzog o mais interessante, pela variedade e pelo inesperado dos seus temas, pelo tom alucinatório de muitas das suas narrativas, pelo seu flerte permanente com o fantástico, pelas experiências radicais em que mergulha a si mesmo e sua equipe para realizar um filme. Pode ser que tudo isso não sejam virtudes propriamente cinematográficas, mas Herzog é um diretor capaz de fazer milagres com uma câmara, meia dúzia de atores e uma trilha sonora. A prova disso é este filme, um dos melhores filmes de terror de todos os tempos.

Nos comentários à versão em DVD, Herzog afirma que todo mundo precisa de uma tradição, de uma ligação com o cinema do passado, e que a época hitlerista deixou muito pouco cinema para a geração que se seguiu. Tiveram que remontar ao tempo do Expressionismo (décadas de 20-30), e, para ele, o melhor filme daquele tempo foi o Nosferatu de F. W. Murnau (1922), inspirado no romance Drácula, de Bram Stoker. Daí a idéia de fazer uma nova versão em 1979, versão que ele afirma não se tratar de uma refilmagem. De fato, trata-se do reaproveitamento de parte do mesmo material (o tema, o enredo básico, alguns personagens) para dar uma interpretação totalmente diversa.

Murnau foi um dos reis do claro-escuro na época do cinema em preto-e-branco; Herzog responde a suas imagens magníficas com um filme a cores em que as luzes e sombras são trabalhadas junto com contrastes de cores, numa fotografia memorável. A trilha sonora, feita por Popol Vuh, é impressionante (e o áudio é um dos principais elementos narrativos do filme).

Herzog rejeita as versões de Stoker e de Murnau. Em Stoker, há a vitória final da ciência, do cavalheirismo masculino, dos valores vitorianos. Em Murnau, a vitória do altruísmo feminino, do amor que leva ao auto-sacrifício, mas com final feliz (Drácula morre, Harker e a esposa acabam juntos). Herzog descreve um mundo onde o Mal prevalece porque já está no interior das pessoas. É Harker quem traz Drácula para destruir sua cidade. Todo seu trajeto para a Transilvânia é um trajeto para o interior de si mesmo, para atender ao chamado do Drácula que quer emergir. Drácula é seu retrato de Dorian Gray.

Como num conto de A. E. Van Vogt, em que a mente de um astronauta em hibernação permanece acordada durante séculos, Drácula é alguma coisa que está acordada e imóvel há séculos, ou milênios, na mente de Harker, pedindo para despertar. É um conjunto de desejos insatisfeitos que giram perpetuamente num círculo vicioso, porque no momento em que encontram satisfação querem repeti-la, sem se darem nunca por saciados. São como o cavalo do Barão de Munchausen, que bebia água sem parar porque fôra cortado ao meio e o estômago estava aberto. Drácula é um sorvedouro de energia, vital mas destrutiva, que Harker reprimiu a vida toda e libertou toda de uma vez.

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