quinta-feira, 10 de junho de 2010
2135) O mundo do zero a mais (10.1.2010)
Maravilha! Assinei (digamos) um contrato com o New York Times para a republicação diária desta coluna naquele prestigioso matutino. Por motivos éticos não posso revelar os valores, basta-me dizer que houve um aumento de 900% em relação ao que o Jornal da Paraíba me paga. Ou seja, meu salário foi multiplicado por dez. Estou nas nuvens. Hoje em dia, sempre que lhes acontece algo importante, as pessoas declaram modestamente à repórter do telejornal que “a ficha ainda não caiu”. No meu caso, amigos, a ficha só precisou de um décimo de segundo pra cair, e caiu com força. Mudei-me para uma cobertura triplex na Vieira Souto, mandei minha biblioteca para o sebo e encomendei outra, pulverizei meu guarda-roupa e estou de passagem comprada para Milão, a fim de renová-lo.
Aos poucos, no entanto, começo a perceber sinais inquietantes, pequenas dissonâncias infiltrando-se no meu paraíso. Decidi logo comprar um carro, é claro, e separei 30 mil reais para tanto. Mas aí meus assessores de imagem (que contratei um segundo após a ficha cair) me explicaram que quem ganha o que eu ganho não pode andar num carro de trinta, tem que ser um carro de 300 mil. Este é, claro, o preço final do bem, depois de taxas, serviços de blindagem, instalação de wi-fi e notebook embutido, frigobar no banco traseiro, e outras implementações de acordo com meu perfil de usuário. De passagem por um shopping, estendi os dedos para experimentar o tecido de um terno de mil reais, mas minha “personal fashionist” puxou-me para trás com um repelão: terno para mim é de dez mil, no mínimo. Estou frequentando outros restaurantes, outros bares, e pouco a pouco vou me acostumando a pagar 50 reais por uma cerveja long-neck (pagava cinco no Canecão!) e a dar gorjeta ao manobrista com cartão de crédito.
Mundo engraçado, este! Vivo agora à caça das coisas que não mudam de preço. Às vezes dou uma escapulida, peço a Jarbas que pare ali no meio-fio e vou na banca de revistas. Raciocino que ninguém vai me cobrar dez vezes mais por uma “Piauí” ou uma “Bravo”, só porque sou eu. Mas a realidade é traiçoeira. Pego as revistas que fui pegar, mas acabo saindo dali com um enorme saco plástico onde trago um fascículo da coleção de ópera, três best-sellers em inglês cuja capa me chamou a atenção, uma Vogue francesa para minha secretária, e alguns DVDs da série “Brasileirinhas” para presentear os banqueiros suíços com quem janto hoje no Porcão da Barra.
Sim, realizei meu sonho. Minha renda aumentou a olhos vistos, como Alice do País das Maravilhas depois de comer o bolo-de-aumentar-de-tamanho onde estava escrito “Coma-me”. Mas (eita palavrinha recorrente no meu vocabulário) eu me quedo surpreso, também como Alice, ao ver o mundo diminuindo à sua volta: “Ela pôs a mão no alto da cabeça para sentir se estava crescendo ou diminuindo, e ficou muita surpresa ao constatar que continuava do mesmo tamanho”.
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