quinta-feira, 10 de junho de 2010

2136) O disco novo de Ivan Santos (12.1.2010)



(capa: Romero Cavalcanti)

Pelo cabeamento wireless do Universo, chega ao alcance dos meus cliques o disco novo de Ivan Santos, Grampeado. É na verdade um conjunto de faixas que se pode ouvir em “streaming” (ouve, mas não copia) na sua página no MySpace (http://bit.ly/7cyjmC). E mostra os detalhes preciosos das composições de Ivan, as idéias inesperadas, as harmonias cheias de pequenas sutilezas, o suingue buscado em sambas e cocos e baiões. Tem algumas músicas antigas como “Ilha do Bispo”, que ouço há trinta anos (“E o menino, ele foi / foi apanhado numa rede de cordão / sem entender o triste significado da palavra educação”), tem clássicos recentes como “Ninguém faz idéia” (que ganhou um Grammy, na gravação de Lenine).

Tem canções recentes que eu desconhecia ou conhecia só em fragmentos, como “Sinal Feliz” (“Eu tentei enxugar o rio / eu já tentei ferver o mar / tentei tirar calor do frio / eu tentei escalar o ar / tentando descobrir um jeito / de achar o amor perfeito / essa coisa que não há”), “Mundo Vil” (“O mundo é mau / o mundo é vil / o mundo é fenomenal, viu?”), “Grampeado” (“Ah, se disfarce bem ou não se expresse mais / que estarão de olho em você olhos digitais / os esquadrões civis sem credenciais / a escória da vez / a lei se faz assim, fora da lei”), “Meu amor por você” (“O meu amor por você / é desprovido de mágoa / é duro de dissolver / é pedra na beira dágua”), “Com quem, Zé? (“Zé não briga, Zé não tem / Zé não peca, Zé cai bem / Zé respeita, aceita o que ele vê / Zé suspeita e deixa acontecer / Zé espreita, Zé não intervém / Zé com quem tá? Zé, tu tá com quem?”).

Há duas canções-homenagem, mas homenagem em forma de ficção ou comentário, não de elogio. Conheci as duas há muitos anos, em gravações caseiras em formato mp3. A primeira é “Imperador da Borborema”, um coco sacudido com estribilho rockeado, onde Ivan divide os vocais com Silvério Pessoa: “Na homepage de Jackson do Pandeiro / vi Raimundo Sanfoneiro num salão de lá / e aquela imagem do lado daquela foto / da praça de Limoeiro é de uma moça / é Dona Almira que já nem se admira / de tá recebendo clique de todo lugar...”. A outra, um samba sem defeito com estrutura harmônica de blues, “Rio Mississipi Blues”, imagina: “Robert Johnson foi morar lá na Mangueira e ficou um mês / e se o blues se encontrou com o samba foi daquela vez... / e aqueles pretos lá de rios diferentes quiseram cantar / e numa roda de pagode não pagou-se pra improvisar / a molecada não perdia nada / Elizabeth, a nega do Cruz, / aperta o Rec do cassete e grava o Rio Mississipi Blues!”.

O “Cabo” Ivan é um dos meus mestres nessa ciência difícil de encaixar palavras e notas, e vejo que cada vez ele refina mais a arte de fazer com que a palavra, escolhida depois de considerar dez alternativas, pareça a melhor possível ou até mesmo a única possibilidade. O grande poeta nos encoraja a escrever, porque a beleza dos resultados que alcança nos faz esquecer a subida da ladeira.

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