domingo, 30 de maio de 2010

2095) No coração do colonialismo (25.11.2009)



Publicado em 1899, O Coração das Trevas de Joseph Conrad é o necrológio oficial do Colonialismo, esse formidável zumbi que, por mais que seja morto, levanta-se da tumba, e continua malassombrando o século 21 com jeito de quem ainda vai estrebuchar até o 22. 

 Os manuais históricos nos dizem que o colonialismo é a internacionalização do capitalismo. Depois de explorar ao máximo o proletariado em seus próprios países, o Grande Capital começa a se defrontar com as reivindicações (quando não as revoluções armadas) dos operários locais. O que faz? Estica seus tentáculos e vai explorar os indígenas desavisados de continentes remotos, onde existe alguém disposto a trabalhar 14 horas para ganhar um dólar e ficar feliz da vida.

O livro de Conrad é uma obra fundadora do romance moderno. Não passa de uma noveleta (minha edição, da Penguin, tem 111 páginas), mas sua essência concentrada reverbera ainda hoje, na poesia de T. S. Eliot, na ficção científica de J. G. Ballard, no cinema de Francis Coppola, em milhares de outros ecos. 

A idéia básica de Conrad (conscientemente ou não) é de que o Colonialismo é uma espécie de Dr. Jekyll cujo Mr. Hyde não se manifesta através de uma poção, mas de um navio. Basta afastar-se do mundo civilizado para que o nobre doutor retroceda a um passado bestial gravado em seus cromossomos. 

A civilização só se realiza às custas do não-civilizamento de alguém. Li em alguma parte que “um lorde inglês é um produto refinadíssimo da civilização, e para produzir cada um deles é necessária a fome e a escravidão de centenas de orientais”.

Uma boa análise de Conrad é a de Luiz Costa Lima em seu ensaio O Redemunho do Terror (Ed. Planeta, 2003). Ele cita (p. 199) Conrad, que diz: “A criminalidade da ineficiência e o puro egoísmo, ao se apoderarem do trabalho civilizador na África, são uma idéia justificável”. 

É essa a idéia sugerida por Conrad ao editor a quem propõe a publicação de Heart of Darkness. O colonialismo consiste num processo onde se combinam, de um lado, um discurso desinteressado, iluminista, civilizatório, e do outro uma prática rapace, primitiva e massacrante. O colonialismo se expande com o pretexto de expandir a civilização, as luzes, a cultura, as liberdades democráticas. Na verdade, diz Costa Lima (p. 154), “a expansão do horror não se dá por motivos ocasionais senão que deriva de um sistema cujo centro precisa de gerar uma periferia”. 

A criação dessa nova periferia, sob o pretexto de civilizá-la, é (p. 212) “resultante da atuação de um modo de racionalidade, a econômica, que estimula a avidez contra os não-brancos, trazendo-lhes o sofrimento físico, a espoliação, a humilhação moral e o sentimento de inferioridade”. 

O coração das trevas é um produto da mesma civilização que criou o Século das Luzes. As luzes são para consumo interno das mansões e palácios. Lá fora, que reine o escuro, atenuado apenas pelos olhos das feras que espreitam.







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