quinta-feira, 13 de maio de 2010

2041) “Lóki” (23.9.2009)



Vi no Canal Brasil este documentário de Paulo Henrique Fontenelle sobre Arnaldo Baptista, o Arnaldo dos Mutantes, uma figura lendária no rock e na música brasileira em geral. A história de Arnaldo é conhecida por alto; o filme organiza os fatos de uma maneira eficiente, sem narração ou “voz autoral”, mas justapondo fatias de depoimentos de onde emerge o quebra-cabeças. Arnaldo (nascido em 1948) e seu irmão Sérgio (n. 1951) criaram Os Mutantes com Rita Lee, em São Paulo, e participaram da onda tropicalista dos anos 1967-70. Faziam algo que não era rock, nem pop, nem MPB, era uma mistura de tudo, com um mergulho corajoso nas novas sonoridades da época (distorção, variação de velocidade, vozes deformadas, colagem de sons, etc.). Veio uma época de muitas drogas, a banda se desfez, Arnaldo separou-se de Rita (com quem tinha casado) e passou por um período brabo de crises de depressão, internamentos em clínicas psiquiátricas, e uma tentativa de suicídio que o deixou dois meses em coma. Recuperou-se, mas com seqüelas. O filme é uma homenagem simpática, onde ele próprio comparece com depoimentos francos e honestos.

O mais curioso dos Mutantes é que eles foram, pelo menos no período 1967-70, a banda mais experimentalista que o Brasil já tivera, e numa época em que uma banda com esse perfil ganhava um programa próprio numa grande rede de TV aberta. Foi o único período na história da nossa música popular em que vanguarda e sucesso comercial foram sinônimos. Depois das brigas e separações, a banda ainda teve alguns sucessos nos anos 1970 mas depois sumiu de vez. Eis senão quando, na década de 1990, a fama dos Mutantes renasceu fora do Brasil, através de gente como Kurt Cobain, David Byrne, Sean Lennon e outros, que deram entrevistas dizendo que anos atrás existira no Brasil a melhor banda de pop-psicodélico do mundo.

A história de Arnaldo lembra a de Syd Barrett, o gênio maluco do Pink Floyd, e no documentário Sean Lennon faz essa conexão. Assim como ocorreu com Arnaldo, Barrett entrou pesado nas viagens de LSD e isto, combinado com outros problemas, o desmontou psicologicamente a ponto de seus amigos o eliminarem da banda, embora continuassem cuidando dele. Arnaldo recuperou-se muito melhor do que Barrett (que morreu há pouco tempo). Continuou gravando, tocando, e participou normalmente de um ”revival” que a banda teve em 2006, com Zélia Duncan substituindo Rita Lee.

Lóki é mais um filme de uma safra recente que reconstitui a vida de músicos brasileiros que morreram tragicamente ou ficaram avariados: Cazuza, Wilson Simonal, Raul Seixas (em preparo)... Temos uma fascinação por esses personagens, porque o Moloch da música exige esses sacrifícios. Alguns artistas ficam famosos e ricos cedo demais para entender que aqui é uma nuvem passageira. O Ego infla a ponto de elevá-los e desencostar seus pés do chão. Muitos não sobrevivem; nesse quadro trágico, Arnaldo Baptista é hoje um menino feliz.

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