quinta-feira, 13 de maio de 2010
2037) A ilusão dos sentidos (18.9.2009)
(quadro de Frantisek Kupka)
Dias atrás escrevi aqui sobre a roda da diligência que, nos filmes de faroeste, parecia-nos rodar para trás, ou ficar parada, ou até rodar para diante mais rápido do que o avanço da própria diligência. Ilusão de ótica, não mais – devida aos eventuais descompassos entre o giro da roda e o obturador da câmara de cinema, que dispara 24 imagens por segundo. Os exemplos podem ser multiplicados. Muitas vezes, quando vemos no cinema um personagem vendo TV, vemos uma faixa preta horizontal subindo pela tela. Mesma coisa: existe um descompasso, uma diferença de velocidade, entre as imagens-por-segundo produzidas pela TV e as imagens do cinema.
Escrevi naquele dia: “Tudo que se vê no cinema é mentira, mas tudo que se vê fora dele também é mentira, no sentido de que é uma reconstrução feita pela ação conjunta dos olhos e do cérebro tendo que interpretar na marra os estímulos luminosos que recebem”. O exemplo mais óbvio e desconcertante é o fato de que vemos as imagens de cabeça para baixo, ou melhor, é assim que nossos olhos as veem. Todas as “câmaras escuras” veem as imagens assim, inclusive as biológicas como nosso aparelho ocular. Mas entre zero e dois anos de idade nosso cérebro aprende a não acreditar no que vê e a interpretar tudo às avessas. Uma criança que vê a mãe parada à sua frente a vê com os pés para o alto, tocando no chão, e a cabeça para baixo Quando tenta apalpá-la, sente que é o contrário. E, de uma maneira que não entendo até hoje, o cérebro “força” essa imagem a se inverter, para corresponder à verdade mais impositiva dos demais sentidos.
Tudo é ilusão de ótica. O arco-íris que vemos no céu é um produto da refração da luz do sol em gotículas dágua suspensas no ar; o efeito colorido depende do ângulo de visão, portanto o arco que eu vejo não é exatamente igual ao que a pessoa ao meu lado está vendo. Mas quantas vezes vocês já pararam para discutir um arco-íris, faixa por faixa, para saber se estão vendo a mesma coisa? Eu, nenhuma.
Os orientais criaram a expressão “o véu de Maya”, o véu das ilusões, para designar o mundo que nós vemos. É uma descrição cientificamente correta. O que vemos é uma colagem de efeitos sensoriais e sugestões mentais. As coisas existem mas não podemos saber o que elas são em si, além das imagens visuais, auditivas, táteis, etc. que nos produzem. Conhecemos os fenômenos, as manifestações exteriores, mas nunca conheceremos os “nômenos”, as coisas-como-elas-realmente-são.
Nossa mente é um conjunto de véus-de-Maya seletivos, filtros controláveis que nos deixam perceber apenas uma parte da realidade. Quem diz à criança que os pais não estão de-cabeça-pra-baixo é o tato, é o ouvido, é um milhão de pequenos experimentos. Nossa percepção do tempo e do espaço é uma construção artificial que nos permite esta precária convivência com o mundo da matéria. Como já disse um engraçadinho, “a realidade é uma ilusão provocada pela ausência de mescalina no organismo”.
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