terça-feira, 4 de maio de 2010

1992) Fellini e Flash Gordon (28.7.2009)




(8 1/2, desenho de Milo Manara)

A sequência final de Fellini 8 ½ mostra os técnicos e atores do filme dirigido por Guido (Marcello Mastroianni), ao anoitecer, dançando de mãos dadas em torno de uma enorme estrutura cenográfica que representa a plataforma de lançamento de um foguete espacial. 

Como tudo no filme, esse foguete foi interpretado de mil maneiras por mil críticos. A maior parte das interpretações vai na direção, para mim correta, de ver aquilo como o arcabouço do filme inacabado, um projeto gigantesco e insensato, espécie de Muralha da China ou Torre de Babel que pode não ter nenhum sentido além das suas dimensões sobre-humanas e do medo reverencial que inspira.

Fellini sempre gostou de ficção científica. George Lucas disse numa entrevista: “Eu adorava os quadrinhos de Flash Gordon. Adorava os seriados da Universal, com Buster Crabbe. Depois que dirigi THX 1138, eu quis filmar Flash Gordon, e tentei adquirir os direitos que pertenciam à King Features, mas eles queriam muito dinheiro, mais do que eu podia pagar naquele tempo. Na verdade eles não queriam que eu comprasse os direitos – queriam que Fellini filmasse Flash Gordon”.

Fellini era fã de quadrinhos, e um Flash Gordon filmado por ele talvez se tornasse uma obra-prima do “kitsch high-tech”. Em 1979, ele escreveu para Moebius, o grande quadrinhista de FC: 

“Meu caro Moebius, Tudo o que você faz me encanta, até mesmo o seu nome me encanta. No meu Casanova, chamei de Moebius o personagem de um velho médico, um homeopata, meio mágico, meio bruxo: foi uma maneira de mostrar minha simpatia, minha gratidão, pois você é formidável e eu não tenho tempo de lhe dizer o quanto e por quê. (...) Fazer um filme de ficção científica, é um dos meus velhos sonhos. Penso nisso desde sempre, pensava nisto bem antes destes filmes estarem na moda. Tu serias, sem dúvida, o colaborador ideal, entretanto não te chamarei jamais, pois tu és completo demais, tua força visionária é terrível demais. Então o que eu iria fazer nessas condições?”

Uma parceria entre Fellini e Moebius talvez fosse tão delirante quanto a de Roger Vadim e Jean-Claude Forest (Barbarella, 1968). Algo que reunisse o melhor desses mundos: a imageria surreal de aventuras espaciais envolvendo cidades futuristas, duelos de espadas, dinossauros, homens alados, pistolas de raios, castelos, poços anti-gravitacionais. 

O Flash Gordon original, desenhado por Alex Raymond, é uma das aventuras mais antropofágicas da história, com elementos da mitologia, do romance de capa-e-espada, do romance científico sobre civilizações perdidas, da “space opera” e mil outras fontes. Seus enredos sem sentido, limitando-se a aventura após aventura, tanto evocam o seriado do cinema quanto os romances picarescos feitos de mil pequenos episódios colados uns aos outros. 

A imaginação meio infantil e intensamente visual de Fellini seria a melhor para capturar esse sonho desperto, essa alucinação dramatúrgica que eram as tiras de Flash Gordon.





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