segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

1538) O Bandido Gente Boa (16.2.2008)


(Frank Lucas)

Frank Lucas, o “gangster americano” interpretado por Denzel Washington no filme homônimo de Ridley Scott, é visceralmente americano em sua atividade (vendedor de heroína na cidade grande), em sua história racial (negro da Carolina do Norte emigrado para o Harlem), e até mesmo em suas conexões políticas (trazia a droga nos aviões que retornavam do Vietnam, graças à cumplicidade de oficiais do exército). Por outro lado, é um tipo que a nós brasileiros toca muito de perto: “o Bandido Gente Boa”. O Rio de Janeiro, que contemplo agora pela minha janela, está cheio deles.

O Bandido Mau, que é seu oposto, não dura muito tempo. O Bandido Mau se comporta errado com todo mundo. É, por exemplo, o psicopata descontrolado – porque até mesmo um psicopata pode se relacionar bem se for controlado, como é o caso do notório e nefário Hannibal Lecter de O Silêncio dos Inocentes. Seria exagero chamar o Dr. Lecter de “gente boa”, mas não há dúvida de que ele é um homem fino, culto, senhor de si, e que pode, se necessário (para passar incógnito, por exemplo) se comportar como se fosse um gentleman britânico, um sujeito tão fidalgo quanto o ator Anthony Hopkins.

Bandido Mau são as “almas sebosas” da periferia do Recife, ou é um desclassificado como Elias Maluco, ou um obtuso arrogante como o Tango que, no filme, Frank Lucas abate em plena luz do dia com um tiro na testa, diante de centenas de testemunhas. Quando Lucas lhe aponta o revólver, Tango provoca: “Vai fazer o quê? Me matar aqui, na frente de todo mundo?” Lucas lhe explode os miolos, guarda a arma e volta para sua mesa do café, limpando as mãos no lenço. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Esta é a lição que ele dá para os irmãos e primos, recém-trazidos da Carolina do Norte, e que assistiram toda a cena boquiabertos.

O Bandido Gente Boa é generoso com seus auxiliares e a população em geral, e implacável com os inimigos. Ele precisa dessa população, e na hora do aperto diz: “Eu posso contar com o Harlem, porque o Harlem sempre contou comigo”. O mesmo fazem ao chefões dos morros cariocas. Vejo no jornal de hoje a imagem do bicheiro Anísio, na Escola de Samba Beija-Flor, desfilando num carro de bombeiros enquanto aproveita uns diazinhos fora da prisão, garantido por um habeas-corpus. Os bicheiros cariocas são colegas de geração de Frank Lucas, que foi imperador do Harlem entre as décadas de 1960-70. Distribuem perus no Natal, cestas básicas durante o ano todo, financiam escolas de samba e times de futebol. Alguns são predadores truculentos; outros são chefes de família bonachões e afetuosos, fazem a linha “mafioso emotivo” que o cinema e a TV vêm ordenhando com sabedoria há tantas décadas. O Bandido Gente Boa está um passo além da linha da legalidade, e não se distingue muito do Político Populista que está um passo aquém dessa linha. A distância que os separa é a de um braço estendido. De um aperto de mão.

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