segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

1536) Seis macacos escrevendo (14.2.2008)



Dizem que foi Thomas Huxley o idealizador deste experimento mental (eis aqui um curioso oxímoro!): se colocarmos seis macacos diante de seis máquinas de escrever, dentro de um milhão de anos eles terão escrito todas as obras de Shakespeare. As versões do mito são muitas – algumas, mais ambiciosas, prevêem: “todos os livros do Museu Britânico”. É o típico caso da profecia inútil, porque se damos como premissa o prazo de um milhão de anos é o caso de dizer, como Fernando Pessoa, que até lá morrerão os macacos, morrerá o Museu Britânico e morrerão as línguas em que os livros foram escritos.

Esta lenda foi citada por Rubem Fonseca num dos saborosos artigos de O romance morreu, seu livro mais recente. Fonseca fornece outra versão da proposta: “Se um número infinito de macacos for colocado à frente de um número infinito de máquinas de escrever, os macacos acabarão produzindo as obras completas de Shakespeare”. A mera proposta de uma quantidade infinita de objetos materiais (ou, pior ainda, de seres vivos) nos dispensa de levar adiante o experimento.

Meu primeiro contato com este cheque-sem-fundos-filosófico foi através do conto “Lógica Inflexível” do obscuro Russell Maloney, numa antologia de contos fantásticos da Cultrix. É um conto em que um milionário excêntrico, Mr. Bainbridge, ouvindo falar dessa teoria, resolve pô-la em prática, com seis chimpanzés e seis máquinas. Dias depois ele chama a sua casa um cientista e, cheio de perplexidade, exibe a produção dos macacos até aquela data: “A prosa de John Donne, um pouco de Anatole France, Conan Doyle, Galeno, as peças teatrais de Somerset Maugham, Marcel Proust, as memórias da falecida Maria da Romênia, e uma monografia de um certo Dr. Wiley sobre as gramas dos pântanos de Maine e Massachusetts”.

Este último detalhe é o mais saboroso, e o que nos dá melhor idéia do gigantismo da tarefa. Os macacos de Mr. Bainbridge não se limitam a copiar as obras de Shakespeare ou dos grandes autores, mas parecem capazes de reproduzir tudo que já tenha sido colocado em letras de forma pelos seres humanos. O amigo de Mr. Bainbridge, contudo, não arreda pé de suas convicções. Diz que se alguém jogar uma moeda para o ar e der cara cem vezes seguidas, isto nada prova: a longo prazo, cara e coroa se sucederão numa proporção de 50% para cada uma. E prediz: “Logo estes chimpanzés começarão a escrever coisas sem pé nem cabeça”.

Não direi como acaba o conto, mas remeto o paciente leitor para “A Biblioteca de Babel” de Borges, onde estão enfileirados nas estantes os produtos dos seis chimpanzés de Mr. Bainbridge, mesmo sabendo que, como nos diz o narrador, “por uma linha razoável ou uma notícia justa há léguas de cacofonias insensatas”. Tempo havendo, e macacos não faltando, foi-nos dada a oportunidade de escrevermos Shakespeare e todas as obras do Museu Britânico, e não desperdiçamos nossa chance.

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