quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

1517) Guga (23.1.2008)


Vejo no “Globo Esporte” que o tenista Gustavo Kuerten começou sua despedida das quadras. Guga vem sendo martirizado há anos por um problema no quadril que lhe causa muitas dores, que o impede de jogar direito, e que não foi resolvido por cirurgias sucessivas. Acompanho essas histórias à distância, pela imprensa, sempre com a esperança de que o atleta se recupere e volte com força total. Com a medicina de hoje, quase tudo é possível. Vejam o joelho de Ronaldo, que se esfrangalhou diante das câmaras do mundo inteiro num jogo da Inter de Milão. Poucos anos depois, lá estava o Fenômeno, novinho em folha, sendo artilheiro e campeão da Copa de 2002.

Guga nas quadras era uma figura. Exageradamente alto, ossudo, desengonçado. Tinha um físico contraditório, porque faltava-lhe a agilidade de jogadores de menor estatura como McEnroe ou Agassi. Também não tinha o vigor físico de Rafael Nadal, ou a elegância de Borg ou de Pete Sampras. Se colocar por cima disso uma cabeleira encaracolada presa por faixas coloridas, e um uniforme de cores meio berrantes, temos uma figura que chamava a atenção no mundo do tênis, que é um mundo muito formal e bem-comportadinho, todo mundo de branco como se fosse um batalhão de médicos indo à praia.

Os braços desmesurados de Guga o faziam alcançar bolas aparentemente perdidas num canto remoto da quadra. Ele devolvia essas bolas numa “passada” indefensável para o adversário, que já estava dando o ponto como ganho. E talvez tenha sido esse desengonço que o liquidou, forçando-lhe o quadril a movimentos que não podia suportar, e acelerando o fim de uma carreira cujo ponto alto foi no final de 2000, quando ganhou em Portugal o torneio dos campeões, batendo André Agassi na final.

Guga sempre me pareceu um bom caráter. Um sujeito “família”, sério, dedicado e amoroso à mãe, à avó, aos irmãos. E ao mesmo tempo um cara com quem teoricamente a gente poderia passar uma noite num terraço de bar de frente para a praia, tomando cerveja, tocando violão, surfando nas ondas da mente, e conversando brebôte. Não consigo visualizar uma cena assim com certos “atletas modelos” que tem por aí, todos bons-meninos, evangélicos, parâmetros de conduta na imprensa. Sempre desconfio de quem parece certinho demais.

Guga não igualou as façanhas dos grandes tenistas contemporâneos. Dos quatro torneios do Grande Slam, ganhou Roland Garros três vezes, mas não venceu nenhum dos outros. Depois da primeira vitória em Paris, ele criou uma afinidade afetiva com a cidade e o torneio, vindo a vencer mais duas vezes. Isto não sugere um atleta-exemplo, um profissional imbatível, mas um artista de talento que em vez de cumprir todas as exigências e os currículos oficiais triunfou instintivamente naquilo com que se identificava, criando uma carreira que parece apenas com a pessoa e a história de vida dele. As carreiras dos grandes campeões são todas parecidas entre si. Guga foi diferente e será único.

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