quinta-feira, 6 de agosto de 2009

1179) A vitória dos anos 60 (23.12.2006)



A imprensa vive falando no “fim dos anos 60”. Basta um disco dos Beatles ser relançado para falarem no “saudosismo do pessoal dos anos 60”. Pelo que percebo, os “anos 60” que esse pessoal conheceu foi uma festa com luzes psicodélicas, música indiana, vestidos tingidos em corres berrantes, cabeleiras hirsutas e enormes, oclinhos redondos, frases feitas pregando o amor livre, a meditação zen, o retorno às comunidades agrícolas... E tudo envolto numa densa nuvem de maconha, incenso e—sejamos francos – carência de banho. É de caricaturas deste tipo que se alimenta a falácia do “fracasso dos anos 60”, a propaganda preferida dos que se sentem mais à vontade com o atual predomínio dos executivos vestindo Armani, dos políticos de direita com discurso de esquerda, e da guerra cega entre os fundamentalistas republicanos dos EUA e os fundamentalistas muçulmanos do Oriente Médio.

Daqui de onde observo as coisas, os anos 60 continuam redesenhando o mundo a cada ano que passa. O problema é que essa metonímia insatisfatória define poderosos movimentos culturais e sociais pelo nome da época em que alguns deles se tornaram mais organizados ou conhecidos, e isto além de insuficiente é impreciso. Para ficar apenas no capítulo das artes e cultura pop, alguns dos fatos essenciais disso que chamamos “os anos 60” ocorreram na década de 1950 (“Howl” de Allen Ginsberg; Revolução Cubana; “Heartbreak Hotel” de Elvis; On the Road de Kerouac) ou na de 1970 (mortes de Janis Joplin, Jim Morrison e Jimi Hendrix; o primeiro concerto humanitário do rock, para Bangladesh; Gravity’s Rainbow de Pynchon; derrota americana no Vietnam; Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas de Pirsig). A baliza numérica é enganosa, por dar a entender que tudo a que nos referimos se espremeu entre duas datas arbitrárias.

O espírito dos anos 1960 está vivo e bulindo, e digo mais: está triunfante. Está na Internet e na World Wide Web, produto de uma porção de nerds dos anos 1960, que estavam mudando o mundo longe dos holofotes da cultura pop. Está colocando em xeque a mercantilização da arte através dos CDs ripados, do YouTube onde se tem acesso a filmes-de-férias ou obras-primas surrealistas, dos Creative Commons onde o artista tem a opção de preferir a divulgação da idéia ao lucro financeiro. Triunfa nas comunidades de interesses onde a troca horizontal de informações dá de dez a zero na troca vertical dos bancos de Faculdade. As conquistas democráticas das minorias étnicas e sexuais são uma vitória da mentalidade anti-patriarcal dos anos 1960, e para isto valeu até suportar o machismo-às-avessas de certa ala do feminismo mecanicista. Houve batalhas perdidas, como não? O tráfico de drogas que hoje faz-e-acontece foi uma apropriação indébita da “expansão da consciência” daquela época; paciência. O lixo pop de hoje é uma caricatura dos excessos mais constrangedores daquela época; paciência. Este, pelo menos, é um preço barato a pagar.

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