sábado, 7 de março de 2009

0870) Roda de samba e pé de parede (30.12.2005)





Dois ambientes. Dois tipos de festejo. Duas matrizes da nossa cultura popular – com diferenças, e com aspectos em comum. 

A primeira coisa que têm em comum é a informalidade. Roda-de-samba e pé-de-parede ocorrem em terraços ou fundo-de-quintal de residências, ou em bares, botequins, etc. Muitas vezes fixam-se como uma programação regular daquele local ou data. As pessoas comparecem no dia e no local mesmo sem saber exatamente o que estará acontecendo; vão porque sabem que vai rolar alguma coisa. Estranhos são bem vindos e bem tratados; mas o núcleo do evento é feito por um grupo sólido de freqüentadores regulares e antigos. 



As diferenças também são óbvias. 


Um ponto de convergência: o Partido Alto. Nas rodas-de-samba de partido alto, dá-se prioridade não à canção já feita, mas ao verso improvisado na hora, sobre assuntos gerais ou sugeridos pelo instante imediato – ou seja, o verso que é o cerne da Cantoria.

São a “nascente” de duas formas musicais/poéticas: a Samba e a Cantoria de Viola. Deviam ser estudadas em conjunto, pela grande semelhança que têm entre si e pela enorme diferença dos resultados que produziram.


Ambas são, do ponto de vista dos anfitriões, das pessoas que as promovem, uma extensão do seu lazer. Até mesmo quando ocorrem num bar, é freqüente que nem tudo seja cobrado, principalmente de alguns “habituês”.

Na roda-de-samba, o objetivo é o canto coletivo e ruidoso, do qual todos participam, batendo palmas, entoando coros e refrões, batendo com facas em garrafas ou pratos, tamborilando na mesa. Uma roda-de-samba é por definição um acontecimento festivo, ruidoso. 

Já a cantoria, apesar de ter o seu lado de comes e bebes, conversa, confraternização, é um espetáculo ao qual se vai para ouvir. Quando os cantadores empunham as violas e começam a dedilhar as cordas, faz-se silêncio respeitoso. 

Outra diferença é a relação financeira. A roda-de-samba é uma diversão; a cantoria de pé-de-parede é geralmente um espetáculo pago. Coloca-se a bandeja diante dos cantadores, e os presentes vão pagando pelos versos, na medida de suas posses.

Na verdade, analisando em paralelo a história do Samba carioca e da Cantoria de Viola nordestina poderemos talvez confirmar que ambos se originaram de batuques rurais e suburbanos onde se alternavam e se misturavam danças, comes e bebes, cantos coletivos no esquema solista-e-coro, improvisação de versos. 

Em regiões diferentes, e em momentos distintos, alguns destes aspectos foram se “despregando” dos demais. 

O Samba foi perdendo o improviso e se cristalizando em canções, mormente depois da indústria fonográfica. 

A Cantoria afastou-se do batuque e da dança ainda no século 19; virou espetáculo autônomo com primazia quase absoluta do lado poético sobre o lado musical. Pesquisem, colegas! Vão aos livros e aos registros históricos, e depois me digam se nesta pequenina lauda eu não resumi duzentos anos de História.





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